Ler aqui o 1º Capítulo, o 2º Capítulo, o 3º capítulo, o 4º capítulo e o 5º capítulo.
Capítulo VI - E Bonifácio/aviador poisou na Quinta de Montalegre
(ou quando os Deuses do Universo contrariam tudo e todos)
(por Fausto Castelhano)
(ou quando os Deuses do Universo contrariam tudo e todos)
(por Fausto Castelhano)
Assolado pela vigorosa ventania, o aeroplano oscilou mais uma vez ao executar uma manobra manifestamente arrojada e, de repente, um corpo desprendeu-se do pequeno avião ao mesmo tempo que um vistoso páraquedas branco se abria no céu azul da velha urbe de Carnide (1).
Bonifácio ao colo de António Castelhano, tal como o repórter fotográfico do "Diário de Notícias" o fixou para a posteridade. A foto que desencadeou a exumação do singular acontecimento ocorrido no dia 18 de Junho de 1939 incluía a seguinte legenda: “O alfaiate Sr. António de Almeida Castelhano e Bonifácio sorriem à vida”.
Bonifácio, a preciosa carga que o monomotor transportava no bojo fora lançado no espaço, precisamente na vertical do Largo da Luz, local de ancestrais tradições dos núcleos populacionais em redor e onde, desde o século XVI se realiza, anualmente e durante todo o mês de Setembro, a popular Feira da Luz. Bonifácio e o paraquedas que o sustentava sofrem, de imediato, um brutal safanão provocado pelas rajadas de vento, giram sobre si próprios correndo o risco iminente de se enrodilharem e tornando o lançamento aéreo num verdadeiro fiasco, não obstante conseguem resistir incólumes face à ventania infrene.
Colégio Militar no Largo da Luz (Carnide), local onde o piloto do aeroplano decidiu lançar em páraquedas o famoso Bonifácio, facto que ocorreu no dia 18 de Junho de 1939.
A um novo e raivoso impulso ventoso, Bonifácio aguentou o embate, mas será logo impelido sobre a área do Colégio Militar no preciso instante em que ocorre um fenómeno algo perturbador, quase sobrenatural, mais parecendo obra do Diabo. Para espanto de quem assistiu à imprevisível peripécia, a turbulenta ventania que parecia não dar tréguas amainou e, num ápice, parou de uivar. O que teria acontecido? Pois bem, segundo se afiançou mais tarde, a culpa recairia inteirinha sobre filhos de Éolo (Deus supremo na mitologia grega e que manobra a seu belo prazer os cordelinhos das ventanias de todos os quadrantes do Universo), os irmãos Bóreas e Zéfiro, poderosos deuses que controlam os mecanismos dos ventos Norte (frios e violentos) e Oeste (suaves e agradáveis).
Como assim? Ora bem, espicaçados diante da excessiva ostentação arquitectada nos mínimos pormenores pelos mentores do pomposo espectáculo aonde seriam rendidas as justas honrarias na recepção ao virtuoso Bonifácio, os manos reuniram energias numa inesperada e rara conjugação de vontades e resolveram marcar presença efectiva ditando as suas leis, tendo como meta final e mercê de poderes incomensuráveis, reduzir a cacos a festança desde há muito tempo concebida.
Pois bem, ao aliarem-se de corpo e alma, os dois irmãos depressa se prestaram em furar as expectativas criadas à volta de Bonifácio e da esperada descida em páraquedas na Avenida da Liberdade. Assim, sem qualquer réstia de escrúpulos, desfecharam uma rude golpada de indecente safadeza que ficasse na memória das gentes de todo o mundo contrariando de modo evidente, todas as esperanças face às condições atmosféricas então constatadas: cerraram as bocarras no momento oportuno e os impetuosos ventos que desalmadamente zuniam, cessaram de modo absoluto.
Éolo, o Deus supremo de todos os ventos do Universo e pai dos deuses Bóreas e Zéfiro que numa imprevisível conjugação de forças no dia 18 de Junho de 1939 e nos territórios abrangidos principalmente pelas freguesias de Benfica e Carnide, provocaram um fenómeno quase sobrenatural.
Então, a tarde tão abafadiça e ventosa do dia 18 de Junho de 1939, transfigurou-se numa esquisita calmaria somente acompanhada de enigmático silêncio que repentinamente desabou sobre o território de Carnide e arredores, interceptado daí a poucos momentos, por ecos de vozes e gritarias que pouco-a-pouco se aproximavam.
Dezenas, centenas de populares, oriundos de Benfica ou Alfornelos, Paço do Lumiar, Telheiras ou Laranjeiras, Pontinha, Paiã ou Alto dos Moinhos e de tantos lugarejos avançaram aos magotes entontecidos de inaudita e frenética algazarra quando tiveram a nítida percepção que Bonifácio descia dos céus depois de lançado pela borda-fora da avioneta.
Enfim, fora dado o tiro de partida para a mais emocionante prova de fundo em corta-mato jamais ocorrida na cidade de Lisboa: a caçada ao inigualável Bonifácio e cuja recompensa para quem o capturasse se traduzia na aliciante maquia em dinheiro vivo que no próprio dia seria embolsado pelo feliz contemplado.
Agora, pendurado nas guias do pára-quedas de seda alva como neve e depois de bambolear na atmosfera por escassíssimos instantes e finalmente estabilizar, o distinto Bonifácio-Aviador, descia, descia, descia devagarinho e a cada fracção de segundo mais próximo do solo. E assim, após transpor a área do Colégio Militar empurrado por aragem quase imperceptível, Bonifácio entrava nos domínios da Quinta de Montalegre e do sítio onde as contingências do acaso lhe reservariam para aterrar.
António ficou absolutamente boquiaberto e incrédulo, deu-se conta do incrível prodígio, todavia e ao primeiro instante de estupefacção, respirou fundo e sem perda de tempo, respondeu de imediato ao desafio lançando-se numa louca correria como galgo de pura raça.
Nascera-lhe alma nova e nunca mais se lembrou da dor de dentes que tanto o flagelara desde a manhã do inolvidável dia. Tirando partido da proximidade do local onde se encontrava quando Bonifácio fora largado da avioneta, mas mormente como profundo conhecedor dos terrenos que pisava, António tomou a dianteira da alucinante cavalgada sobre inúmeros competidores que convergiam a passadas largas no encalço ao Bonifácio.
Agilmente e sempre de olhos cravados na trajectória do páraquedas e do seu valioso pendura, António enfiou-se pela Azinhaga da Fonte na desesperada peugada ao Bonifácio e mesmo antes de chegar ao portão de entrada da Quinta de Montalegre, trepou o muro, saltou veredas e valados, correu, correu, acossado de perto pela chusma de adversários que tentavam passar-lhe a perna se não se cuidasse, esticou as gâmbias e embrenhou-se na seara de trigo, onde agora e a todo o momento, o excelso Bonifácio se aprestava para aterrar.
Mais um pouquinho e Bonifácio acabou por pousar tranquilamente ficando submergido por entre as espigas de trigo dourado. A flutuar, apenas o leve tecido branco do paraquedas e as respectivas guias. O relógio marcava, exactamente 18.30 horas.
António Castelhano consegue defender-se de todos os adversários numa luta titânica e vai derrotá-los na ponta final de modo bastante categórico quando num último e desesperado alento, mergulhou em voo e conseguiu filar o desejado troféu num férreo amplexo. Completamente eufórico e agora vitoriado por todos os rivais que entraram na perseguição com o mesmo intuito, António recolheu e segurou firmemente o Bonifácio, enrolou o respectivo páraquedas e disparou direitinho a casa, agora acolitado por milhentos populares que felicitavam o venturoso conquistador.
A confusão instalou-se na residência de António Castelhano. Agora faltava ajuntar os seis cupões publicados pelo Diário de Notícias, requisitar um táxi e raspar-se rapidamente até à redacção do Diário de Notícias.
Contudo, o esquema não iria decorrer como se desejaria surgindo, inesperadamente grave entrave que bem poderia deitar tudo a perder e que deixou os presentes em polvorosa. Apesar de tantas advertências a fim de guardarem os jornais com a máxima cautela e recortarem os cupões, teria havido imperdoável descuido, pois no momento crucial da junção dos mesmos, faltava um dos exemplares do Diário de Noticias e, sem essa lacuna sanada, o estipulado prémio monetário jamais seria entregue.
Gerou-se um reboliço do arco-da-velha, a desorientação instalou-se e daí ao total nervosismo, foi um rufo.
Por fim e para alívio de toda a gente que o procurava, o extraviado cupão desponta por entre o emaranhado montão de jornais atirados a um canto. O motorista do “carro de praça” que já desesperava com tamanha morosidade, finalmente arrancou transportando no interior da viatura, tanto o eufórico e afortunado passageiro, como o bendito Bonifácio e assim, carregando bem a fundo no acelerador dirigiu-se à redacção do Diário de Notícias, sita na Rua Diário de Notícias, nº 78 (antiga Rua dos Calafates), tal como previamente se encontrava determinado.
Entretanto, a multidão concentrada na Avenida da Liberdade sofreu a bom sofrer com o tremendo desencanto causado pelo desfecho da chegada de Bonifácio, uma vez que o seu ídolo acabou por aterrar bastante longe do local previsto e onde tanta gente imbuída da mais profunda ansiedade se aprontava para o vitoriar condignamente.
O colossal revés apenas seria atenuado quando Bonifácio e António Castelhano foram avistados no momento em que iniciaram a descida da Avenida da Liberdade, desde o Marquês de Pombal até ao seu final nos Restauradores. Então, envolvida na maior das euforias, a multidão rebentou em delírio aclamando os seus heróis, Bonifácio e António, premiando-os com estrondosa e interminável ovação como há muito tempo não se assistia na capital portuguesa.
Enfim, após a chegada triunfal à redacção do Diário de Notícias como destacado protagonista da imorredoira odisseia, António foi amplamente felicitado mercê da valorosa façanha onde imperaram a sagacidade e a genica a rodos, a chave do retumbante êxito. Sempre exibindo um largo sorriso de satisfação, António Castelhano prestou-se às fotografias da praxe registando a proeza, entrevistas e convites de várias origens e, por fim, o prometido galardão, o dinheirinho do prémio a tilintar no fundo do bolso.
Voltou a casa já noite alta com toda a família reunida à sua espera, extremamente extenuado pela indescritível aventura que jamais esquecerá, mas albergando no seu íntimo, um sentimento onde se confundiam, tanto a extrema felicidade pelo feito cometido e com que sonhara dia e noite, como pelo orgulho da concretização de um desiderato por tanta gente cobiçado.
Augusto Castelhano mostrava-se furioso pelos estragos provocados na viçosa seara de trigo prestes a ser colhida e que fora calcada a pés juntos sem qualquer cerimónia, espezinhada a eito pela invasão desvairada de tanto povoléu na ganância de arrebanhar o Bonifácio e embolsar a grossa maquia em disputa.
Pela vida fora várias vezes se lamentou do enorme prejuízo que lhe causaram e fazia questão de lembrar o desgosto infindo e que tanto o marcou.
Num primeiro momento ainda pensou mover um processo judicial à administração ao “Diário de Notícias” pelos avultados danos infligidos na seara, mas aconselhado ou não, logo desistiu de uma tal demanda.
Notas:
(1)– O lançamento de Bonifácio em para-quedas sobre a região de Carnide foi uma resolução tomada “in extremis” pelo piloto do avião originada pela intensidade e direcção dos ventos que sopravam fortíssimos na tarde de 18 de Junho de 1939 e, também atendendo à distância a percorrer, convicto que Bonifácio e para-quedas seriam impulsionados pela ventania até ao local aprazado para a aterragem e que se localizava na área espacial desde o Marquês de Pombal e os Restauradores.
Vejamos como a edição do Diário de Notícias do dia 19 de Junho de 1939 narrava os eventos de maior impacto ocorridos no dia anterior, nomeadamente a crónica dedicada ao Bonifácio e à sua chegada a Lisboa.
Assim, a 1ª página apresentava-se profusamente ilustrada com várias fotos dos acontecimentos mais relevantes da actualidade, não obstante a notícia que despertava a particular atenção dos leitores, centrava-se na descida quase incógnita de Bonifácio nas redondezas da Luz (Carnide), mais precisamente na Quinta de Montalegre e, como se calculava, incluía exaustiva reportagem do notável episódio, além de juntar um naipe de fotografias relativas a tão invulgar peripécia e que tanto apaixonou a população lisboeta.
Os prospectos lançados do avião anunciando a próxima realização da “VIII Volta a Portugal” e a publicação da novela cinematográfica e desportiva “A Varanda dos Rouxinóis”.
“Os olhos e as almas seguiam as asas do lindo aparelho, à espera de ver largar o corpo de Bonifácio. Saíam de lá como revoadas de aves brancas, muitos milhares de prospectos que desalinharam a multidão por os querer apanhar, a ponto de se interromper o trânsito por algum tempo, apesar do magnífico serviço de ordem organizado pela Polícia de Segurança Pública”. “Nesses prospectos, Bonifácio anunciava a “8ª Volta a Portugal em bicicleta” (2), organização do “Diário de Notícias” e a publicação no nosso jornal do folhetim “A Varanda dos Rouxinóis”, grande novela desportiva e animatográfica com base no filme em que está a trabalhar Leitão de Barros” (3).
“A grande mole de gente exultava de contentamento e de ansiedade. Bonifácio estava ali, a umas centenas de metros de altura e cada qual esperava o momento em que ele se lançasse no espaço para o apanhar e trazer ao “Diário de Notícias” a fim de ganhar os prometidos 2 mil escudos. Bonifácio rondava o sonho de cada um, como um anjo tutelar, imagem dourada pela tentadora promessa”.
Cartaz do filme “A varanda dos Rouxinóis”, película do realizador Leitão de Barros e que se estreou no Cinema Tivoli em 19 de Dezembro de 1939.
“Mas Bonifácio não descia. Caíam mais prospectos, o avião descreveu várias e arriscadas evoluções e, por fim, desapareceu aos olhos dos circunstantes numa nuvem azul”.
“Cabe dizer, nesta altura, porque não desceu Bonifácio na Avenida da Liberdade. Foi uma justificada prudência. Soprava um vento fortíssimo na direcção sudoeste (4). E como o corpo do nosso herói é frágil, havia o risco de que a ventania o arrastasse para o Tejo ou mesmo para o mar, o que não seria agradável para ninguém”.
“O aviador que pilotava o aparelho, justamente receoso do perigo, decidiu retroceder para o campo de aviação. A descida ficaria adiada para melhor oportunidade.
Mas Bonifácio protestou: tinha prometido que desceria, havia de descer! Que pensariam os seus amigos do “Diário de Notícias” se ele, comodamente, voltasse para casa com os 2.OOO escudos sem contemplar alguém? “
“E ia já de regresso quando, para lá de Carnide, arrostando com todos os perigos, se precipitou no espaço. Abriu-se como a corola duma tulipa, o para-quedas de seda, branco, que o Sr. sargento-ajudante António José de Sousa, chefe dos mecânicos da Base Aérea da Ota, e o Sr. sargento Manuel Ferreira haviam feito para Bonifácio.
E o corpo do herói ficou bailando no espaço ao sabor da ventania”.
Notas:
(2)- A VIII Volta a Portugal em Bicicleta de 1939 teve o seu início no dia 3 de Agosto (Montijo) e terminou em Lisboa (Campo 28 de Maio) a 20 de Agosto. A grande prova velocipédica tinha uma extensão de 2.617 Km englobava 31 etapas. Joaquim Fernandes, natural de Coina (Barreiro) onde nasceu a 22 de Maio de 1914) alinhou pela equipa da CUF e foi o vencedor incontestado da prova:
1º Classificado na Geral Individual, além da conquista quatro etapas. O Sport Lisboa e Benfica triunfou na classificação por Equipas.
(3)- Filme do realizador Leitão de Barros conta a história de Madalena e Eduardo (naturais de Alcobaça) quando o seu idílio num dia de festa é interrompido pelo convite dirigido a ambos: Eduardo para abraçar a carreira de ciclista profissional e Madalena para enveredar pela carreira de actriz.
Apenas Eduardo aceitou e sagra-se campeão de ciclismo. Todavia, depois enamora-se por uma actriz de teatro e Madalena sentindo-se atraiçoada, toma o rumo da cidade de Lisboa e torna-se uma actriz de enorme prestígio. O filme estreou-se no Cinema Tivoli no dia 19 de Dezembro de 1939.
(4)- O vento fortíssimo soprava, efectivamente dos quadrantes tanto Norte como Oeste. Por tal motivo, o local escolhido pelo piloto do avião para o lançamento do Bonifácio teria sido nas imediações de Carnide na convicção de que a ventania empurrasse o conjunto de para-quedas e Bonifácio a uma distância calculada em cerca de 10Km, ou seja, até à Avenida da Liberdade.
“De Campolide, de Benfica, de Carnide, de Sete-Rios e outros pontos viram Bonifácio largar-se do avião. E foram momentos emocionantes os que se viveram. De toda a parte, com os olhos postos nele, corriam inúmeras pessoas ao seu encontro. Todos queriam Bonifácio, todos almejavam trazê-lo ao “Diário de Notícias” para cobrarem os dois mil escudos que ele dava”.
Um aspecto da grande multidão que aguardava o Bonifácio junto à estátua do Marquês de Pombal. Repare-se no serviço de ordem a cargo de agentes da PSP.
“E Bonifácio largara-se ali na convicção de que a forte ventania o arrastasse para a Avenida, onde o esperavam a pé firme tantos milhares de admiradores. E verificou-se, então, um facto bem demonstrativo do provérbio “Guardado está o bocado para quem o há-de comer”.
“O alfaiate Sr. António de Almeida Castelhano, de 19 anos, morador na Rua dos Soeiros, 193, à Luz, trabalha numa alfaiataria da Rua Tomás Ribeiro, 17, ao Matadouro. Ao lado há uma barbearia onde ele esteve anteontem à tarde a falar no assunto obrigatório de todas as conversas: Bonifácio. Leitor assíduo do “Diário de Notícias” apreciava com o pessoal e outros fregueses da casa, as suas possibilidades de conquistar o dadivoso amigo quando, por calcular que seriam muitos os pretendentes, concluiu: “O que me convinha era que me caísse em casa!”
“E caiu, como os senhores vão ver. Ontem, o Sr. Castelhano esteve a trabalhar na alfaiataria e à tarde deu uma volta pela Avenida.
Animava-o a esperança de alcançar os dois contos do Bonifácio, mas eram tão numerosos os pretendentes, tanta a gente que, desiludido, resolveu ir para casa, convencido que a sorte não o podia bafejar”.
“Pelo caminho encontrou um dos prospectos em que Bonifácio anunciava a VIII Volta a Portugal em bicicleta, grande realização do “Diário de Notícias”, e a próxima publicação no nosso jornal da novela “A Varanda dos Rouxinóis”, mas seguiu convencido de que não seriam para si os dois mil escudos. Assim chegou ao Largo da Luz defronte do Colégio Militar (5).
De repente, uma forte emoção paralisou-o: no céu azul via-se um avião. E, inesperadamente, antes que tivesse tempo de fazer qualquer raciocínio, viu baloiçar-se no espaço um para-quedas. Era Bonifácio que se largava”.
“Ágil correu como um gamo, os olhos presos naquele ponto branco que era uma risonha esperança, o alfaiate saltou por quintas e caminhos seus conhecidos, até que foi dar à quinta de Montalegre, entre a Luz e a Estrada de Benfica, propriedade da Sra. D. Leonor dos Anjos, e onde ele habita com a família, pois seu pai, o Sr. Augusto Rodrigues Castelhano é ali rendeiro. Os caprichos singulares do Destino! Como ele admitira, Bonifácio fora-lhe cair em casa”.
Notas:
(5)- Tal como antes já fora descrito, António Castelhano encontrava-se nas proximidades do Largo da Luz aquando do seu regresso da Farmácia Matos onde tentara adquirir um medicamento que lhe minorasse a dor de dentes que tanto o atormentava.
“Bonifácio caiu às 18.30 horas numa seara daquela propriedade, mesmo nas traseiras do Colégio Militar. Envergava um fato de aviador, que os Grandes Armazéns do Chiado tiveram a gentileza de oferecer-lhe, bem como o fato com que ele se apresentará em público, e que são dois admiráveis trabalhos das oficinas de alfaiataria daquele importante estabelecimento”.
“O Sr. Castelhano agarrou-o e ao para-quedas e correu com ele para casa, já acompanhado por muitos populares menos felizes. Foi uma alegria enorme, indescritível, a daquela família. Colecções do “Diário de Notícias” foram trazidas para a porta e procurados afanosamente os cupões. Guardavam os jornais a trouxe-mouxe e não se haviam lembrado de recortar e guardar os cupões. Fez-se esse trabalho de última hora com grande alegria e, por fim, o Sr. Castelhano meteu-se num táxi com o Bonifácio e encaminhou-se para o “Diário de Notícias”.
“Ao atravessar a Praça Marquês de Pombal a multidão reconheceu Bonifácio e fez-se uma quente ovação. O Sr. Tenente Henriques da P.S.P. interveio, em “sidecar” a abrir caminho, para evitar um desastre, e Bonifácio desceu triunfalmente a Avenida da Liberdade, atravessou o Rossio e subiu o Chiado, sempre aclamado, até à porta do “Diário de Notícias”, onde se juntou muito povo”.
Uma breve nota noticiando a viagem do Sr. Presidente da República a África:
Incluía uma foto dedicada ao evento legendada deste modo: “O Sr. Ministro da Marinha com duas das madrinhas dos novos barcos”.
Algumas notícias do estrangeiro:
“A SITUAÇÃO NO MÉDIO ORIENTE. FOI MORTO A TIRO UM JAPONÊS por uma sentinela da concessão britânica da cidade de Tien-Tsin”.
Notas:
(6)- A Brigada Naval, considerado o organismo mais autónomo da Legião Portuguesa, estava vocacionada para actuar como reserva, relativamente à Marinha de Guerra. Desenvolvia outras actividades, seja no campo político/ideológico do regime e da repressão das populações, seja na administração marítima, propaganda do regime, solidariedade e ajuda social.
A Brigada Naval encontrava-se sediada no Quartel dos Marinheiros em Alcântara, Lisboa. Dispunha de um batalhão e de uma banda de música e mantinha destacamentos no Porto, em Ponta Delgada e em Angra do Heroísmo. Integrava a canhoneira Dio, onde funcionava a sua escola prática.
O espaço de tempo compreendido entre Setembro de 1939 e Maio de 1945 será fortemente marcado sob o signo da terrível 2ª Guerra Mundial. Historicamente considera-se que o seu início ocorre no dia 1 de Setembro de 1939 quando as forças armadas nazis da Alemanha invadem a Polónia.
De imediato, surgem as Declarações de Guerra, tanto da França, como da maioria dos países do Império Britânico da Commonwealth, sendo certo que nessa época, alguns países já se encontravam em guerra, tal como a Etiópia e a Itália (Segunda Guerra Ítalo-Etíope), além da China e o Japão na Segunda Guerra Sino-Japonesa.
O início da 2ª Guerra Mundial inicia-se com a invasão da Polónia no dia 1 de Setembro de 1939 pelas tropas nazis da Alemanha.
Perante o conflito europeu, o governo português vai proclamar a "neutralidade equidistante" e essa posição será objecto de uma nota oficiosa publicada nos jornais de 2 de Setembro e, logo no dia seguinte, 3 de Setembro de 1939, a Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha.
Em Portugal, um pouco mais tarde e afectando toda a população, entrará em cena o apertado racionamento de produtos alimentares essenciais, petróleo de iluminação, etc. Dois anos depois do início da Segunda Guerra Mundial, isto é, em Outubro de 1941, e depois do exército alemão ocupar uma grande parte da Europa Ocidental (França, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Polónia, etc.), as forças armadas nazis da Alemanha avançaram para Leste e estiveram a poucos quilómetros de Moscovo, mas não conseguiram conquistar a capital da União Soviética.
Embora muitos países não se tenham envolvido inicialmente na guerra, acabaram aderindo ao conflito em resposta ao agravamento da mesma, tal como a invasão da União Soviética pelos alemães e os ataques japoneses contra as forças dos Estados Unidos da América no Pacífico (Pearl Harbor) ou às colónias ultramarinas britânicas, factos que acabaram com declarações de guerra contra o Japão pelos Estados Unidos, Países Baixos e a Commonwealth Britânica.
O resultado final da guerra começou a a delinear-se em Stalingrado durante o mês de Fevereiro de 1943 quando o Exército Vermelho quebrou a espinha dorsal da Wehrmacht e dando início a gigantesca contra-ofensiva que se consolidou após a abertura duma poderosa Frente Ocidental verificada com o desembarque das tropas anglo-americanas na Normandia em Junho de 1944.
Perante a situação, o ministro da propaganda nazifascista, Joseph Goebbels declarava (22 de Abril de 1945) a cidade Berlim como "frente de batalha", mas onze dias depois, a capital alemã caía irremediavelmente em poder do Exército Vermelho.
A entrada do Exército Vermelho em Berlim vai precipitar o suicídio de Adolf Hitler. Aferrado no seu “bunker” na companhia de alguns apaniguados, põe termo à vida no dia 30 de Abril de 1945.
As tropas alemãs na Itália, Holanda, Dinamarca e no noroeste da Alemanha renderam-se após o anúncio do suicídio de Adolf Hitler e coube ao seu sucessor, o almirante Doenitz, determinar a cessação dos combates contra as tropas soviéticas e anglo-americanas.
No dia 2 de Maio de 1945, as emissoras britânicas interromperam as suas programações e comunicavam a todo o mundo o fim da guerra: "Berlim caiu. O marechal Josef Stalin acabou de anunciar a ocupação completa da capital da Alemanha, Berlim, a capital do imperialismo germânico e da agressão".
Soldados do Exercito Vermelho içam a bandeira da União Soviética no edifício do Reichstag após a Batalha de Berlim na 2ª Guerra Mundial.
Na semana seguinte e após a conquista de Berlim, os alemães irão assinar, na noite de 8 para 9 de Maio de 1945, a acta da capitulação incondicional.
Esta data passou a ser consagrada como o termo da guerra na Europa.
Findava o confronto mais violento da história da humanidade, mas vale a pena lembrar que oficialmente, a rendição alemã só ocorreu no dia 2 de Setembro de 1945.
Um mês depois, Churchill, Estaline e Truman, realizaram a Conferência de Potsdam com a finalidade da devolução, tanto à União Soviética como à Polónia, os territórios perdidos, além do completo desarmamento da Alemanha e da criação de um Tribunal Militar Internacional a fim de julgar o genocídio perpetrado pelos principais dirigentes alemães sobreviventes.
O fim da 2ª Guerra Mundial em 1945 com a vitória total dos Aliados, o alinhamento político/militar e a estrutura social a nível mundial será alterado significativamente e, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) era estabelecida para estimular a cooperação global e evitar futuros conflitos armados, a União Soviética e os Estados Unidos emergiam como superpotências rivais, preparando o terreno para uma “Guerra Fria” que se iria estender nas décadas seguintes.
E nesse ínterim, também a aceitação do princípio de autodeterminação acelerou vários movimentos de descolonização, tanto na Ásia como em África, enquanto a Europa ocidental iniciava um movimento de recuperação económica e integração política.
De certo modo, Portugal aproveita a oportunidade e vai desenvolver-se em vários sectores da sua actividade.
[Continua...]
***** O autor rejeita as normas do Novo Acordo Ortográfico.
(Foto do Arquivo de Teresa Castelhano)
Bonifácio, a preciosa carga que o monomotor transportava no bojo fora lançado no espaço, precisamente na vertical do Largo da Luz, local de ancestrais tradições dos núcleos populacionais em redor e onde, desde o século XVI se realiza, anualmente e durante todo o mês de Setembro, a popular Feira da Luz. Bonifácio e o paraquedas que o sustentava sofrem, de imediato, um brutal safanão provocado pelas rajadas de vento, giram sobre si próprios correndo o risco iminente de se enrodilharem e tornando o lançamento aéreo num verdadeiro fiasco, não obstante conseguem resistir incólumes face à ventania infrene.
Colégio Militar no Largo da Luz (Carnide), local onde o piloto do aeroplano decidiu lançar em páraquedas o famoso Bonifácio, facto que ocorreu no dia 18 de Junho de 1939.
(Foto dos Estúdios Mário Novais)
A um novo e raivoso impulso ventoso, Bonifácio aguentou o embate, mas será logo impelido sobre a área do Colégio Militar no preciso instante em que ocorre um fenómeno algo perturbador, quase sobrenatural, mais parecendo obra do Diabo. Para espanto de quem assistiu à imprevisível peripécia, a turbulenta ventania que parecia não dar tréguas amainou e, num ápice, parou de uivar. O que teria acontecido? Pois bem, segundo se afiançou mais tarde, a culpa recairia inteirinha sobre filhos de Éolo (Deus supremo na mitologia grega e que manobra a seu belo prazer os cordelinhos das ventanias de todos os quadrantes do Universo), os irmãos Bóreas e Zéfiro, poderosos deuses que controlam os mecanismos dos ventos Norte (frios e violentos) e Oeste (suaves e agradáveis).
Como assim? Ora bem, espicaçados diante da excessiva ostentação arquitectada nos mínimos pormenores pelos mentores do pomposo espectáculo aonde seriam rendidas as justas honrarias na recepção ao virtuoso Bonifácio, os manos reuniram energias numa inesperada e rara conjugação de vontades e resolveram marcar presença efectiva ditando as suas leis, tendo como meta final e mercê de poderes incomensuráveis, reduzir a cacos a festança desde há muito tempo concebida.
Pois bem, ao aliarem-se de corpo e alma, os dois irmãos depressa se prestaram em furar as expectativas criadas à volta de Bonifácio e da esperada descida em páraquedas na Avenida da Liberdade. Assim, sem qualquer réstia de escrúpulos, desfecharam uma rude golpada de indecente safadeza que ficasse na memória das gentes de todo o mundo contrariando de modo evidente, todas as esperanças face às condições atmosféricas então constatadas: cerraram as bocarras no momento oportuno e os impetuosos ventos que desalmadamente zuniam, cessaram de modo absoluto.
Éolo, o Deus supremo de todos os ventos do Universo e pai dos deuses Bóreas e Zéfiro que numa imprevisível conjugação de forças no dia 18 de Junho de 1939 e nos territórios abrangidos principalmente pelas freguesias de Benfica e Carnide, provocaram um fenómeno quase sobrenatural.
(Foto Wikipédia)
Então, a tarde tão abafadiça e ventosa do dia 18 de Junho de 1939, transfigurou-se numa esquisita calmaria somente acompanhada de enigmático silêncio que repentinamente desabou sobre o território de Carnide e arredores, interceptado daí a poucos momentos, por ecos de vozes e gritarias que pouco-a-pouco se aproximavam.
Dezenas, centenas de populares, oriundos de Benfica ou Alfornelos, Paço do Lumiar, Telheiras ou Laranjeiras, Pontinha, Paiã ou Alto dos Moinhos e de tantos lugarejos avançaram aos magotes entontecidos de inaudita e frenética algazarra quando tiveram a nítida percepção que Bonifácio descia dos céus depois de lançado pela borda-fora da avioneta.
Enfim, fora dado o tiro de partida para a mais emocionante prova de fundo em corta-mato jamais ocorrida na cidade de Lisboa: a caçada ao inigualável Bonifácio e cuja recompensa para quem o capturasse se traduzia na aliciante maquia em dinheiro vivo que no próprio dia seria embolsado pelo feliz contemplado.
Agora, pendurado nas guias do pára-quedas de seda alva como neve e depois de bambolear na atmosfera por escassíssimos instantes e finalmente estabilizar, o distinto Bonifácio-Aviador, descia, descia, descia devagarinho e a cada fracção de segundo mais próximo do solo. E assim, após transpor a área do Colégio Militar empurrado por aragem quase imperceptível, Bonifácio entrava nos domínios da Quinta de Montalegre e do sítio onde as contingências do acaso lhe reservariam para aterrar.
António ficou absolutamente boquiaberto e incrédulo, deu-se conta do incrível prodígio, todavia e ao primeiro instante de estupefacção, respirou fundo e sem perda de tempo, respondeu de imediato ao desafio lançando-se numa louca correria como galgo de pura raça.
Nascera-lhe alma nova e nunca mais se lembrou da dor de dentes que tanto o flagelara desde a manhã do inolvidável dia. Tirando partido da proximidade do local onde se encontrava quando Bonifácio fora largado da avioneta, mas mormente como profundo conhecedor dos terrenos que pisava, António tomou a dianteira da alucinante cavalgada sobre inúmeros competidores que convergiam a passadas largas no encalço ao Bonifácio.
Azinhaga da Fonte, a via que António Castelhano percorreu no encalço do Bonifácio.
(Foto de João H. Goulart, 1967 - Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa)
Agilmente e sempre de olhos cravados na trajectória do páraquedas e do seu valioso pendura, António enfiou-se pela Azinhaga da Fonte na desesperada peugada ao Bonifácio e mesmo antes de chegar ao portão de entrada da Quinta de Montalegre, trepou o muro, saltou veredas e valados, correu, correu, acossado de perto pela chusma de adversários que tentavam passar-lhe a perna se não se cuidasse, esticou as gâmbias e embrenhou-se na seara de trigo, onde agora e a todo o momento, o excelso Bonifácio se aprestava para aterrar.
Mais um pouquinho e Bonifácio acabou por pousar tranquilamente ficando submergido por entre as espigas de trigo dourado. A flutuar, apenas o leve tecido branco do paraquedas e as respectivas guias. O relógio marcava, exactamente 18.30 horas.
António Castelhano consegue defender-se de todos os adversários numa luta titânica e vai derrotá-los na ponta final de modo bastante categórico quando num último e desesperado alento, mergulhou em voo e conseguiu filar o desejado troféu num férreo amplexo. Completamente eufórico e agora vitoriado por todos os rivais que entraram na perseguição com o mesmo intuito, António recolheu e segurou firmemente o Bonifácio, enrolou o respectivo páraquedas e disparou direitinho a casa, agora acolitado por milhentos populares que felicitavam o venturoso conquistador.
A confusão instalou-se na residência de António Castelhano. Agora faltava ajuntar os seis cupões publicados pelo Diário de Notícias, requisitar um táxi e raspar-se rapidamente até à redacção do Diário de Notícias.
Contudo, o esquema não iria decorrer como se desejaria surgindo, inesperadamente grave entrave que bem poderia deitar tudo a perder e que deixou os presentes em polvorosa. Apesar de tantas advertências a fim de guardarem os jornais com a máxima cautela e recortarem os cupões, teria havido imperdoável descuido, pois no momento crucial da junção dos mesmos, faltava um dos exemplares do Diário de Noticias e, sem essa lacuna sanada, o estipulado prémio monetário jamais seria entregue.
Gerou-se um reboliço do arco-da-velha, a desorientação instalou-se e daí ao total nervosismo, foi um rufo.
Milhares de pessoas concentraram-se na Avenida da Liberdade aguardando ansiosos a chegada de Bonifácio e que, afinal de contas e por obra e graça de um fenómeno invulgar, nunca chegou a acontecer no local previsto.(in do Diário de Notícias de 19 de Junho de 1939)
Por fim e para alívio de toda a gente que o procurava, o extraviado cupão desponta por entre o emaranhado montão de jornais atirados a um canto. O motorista do “carro de praça” que já desesperava com tamanha morosidade, finalmente arrancou transportando no interior da viatura, tanto o eufórico e afortunado passageiro, como o bendito Bonifácio e assim, carregando bem a fundo no acelerador dirigiu-se à redacção do Diário de Notícias, sita na Rua Diário de Notícias, nº 78 (antiga Rua dos Calafates), tal como previamente se encontrava determinado.
Entretanto, a multidão concentrada na Avenida da Liberdade sofreu a bom sofrer com o tremendo desencanto causado pelo desfecho da chegada de Bonifácio, uma vez que o seu ídolo acabou por aterrar bastante longe do local previsto e onde tanta gente imbuída da mais profunda ansiedade se aprontava para o vitoriar condignamente.
O colossal revés apenas seria atenuado quando Bonifácio e António Castelhano foram avistados no momento em que iniciaram a descida da Avenida da Liberdade, desde o Marquês de Pombal até ao seu final nos Restauradores. Então, envolvida na maior das euforias, a multidão rebentou em delírio aclamando os seus heróis, Bonifácio e António, premiando-os com estrondosa e interminável ovação como há muito tempo não se assistia na capital portuguesa.
Enfim, após a chegada triunfal à redacção do Diário de Notícias como destacado protagonista da imorredoira odisseia, António foi amplamente felicitado mercê da valorosa façanha onde imperaram a sagacidade e a genica a rodos, a chave do retumbante êxito. Sempre exibindo um largo sorriso de satisfação, António Castelhano prestou-se às fotografias da praxe registando a proeza, entrevistas e convites de várias origens e, por fim, o prometido galardão, o dinheirinho do prémio a tilintar no fundo do bolso.
Voltou a casa já noite alta com toda a família reunida à sua espera, extremamente extenuado pela indescritível aventura que jamais esquecerá, mas albergando no seu íntimo, um sentimento onde se confundiam, tanto a extrema felicidade pelo feito cometido e com que sonhara dia e noite, como pelo orgulho da concretização de um desiderato por tanta gente cobiçado.
Augusto Castelhano mostrava-se furioso pelos estragos provocados na viçosa seara de trigo prestes a ser colhida e que fora calcada a pés juntos sem qualquer cerimónia, espezinhada a eito pela invasão desvairada de tanto povoléu na ganância de arrebanhar o Bonifácio e embolsar a grossa maquia em disputa.
Pela vida fora várias vezes se lamentou do enorme prejuízo que lhe causaram e fazia questão de lembrar o desgosto infindo e que tanto o marcou.
Num primeiro momento ainda pensou mover um processo judicial à administração ao “Diário de Notícias” pelos avultados danos infligidos na seara, mas aconselhado ou não, logo desistiu de uma tal demanda.
Notas:
(1)– O lançamento de Bonifácio em para-quedas sobre a região de Carnide foi uma resolução tomada “in extremis” pelo piloto do avião originada pela intensidade e direcção dos ventos que sopravam fortíssimos na tarde de 18 de Junho de 1939 e, também atendendo à distância a percorrer, convicto que Bonifácio e para-quedas seriam impulsionados pela ventania até ao local aprazado para a aterragem e que se localizava na área espacial desde o Marquês de Pombal e os Restauradores.
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Vejamos como a edição do Diário de Notícias do dia 19 de Junho de 1939 narrava os eventos de maior impacto ocorridos no dia anterior, nomeadamente a crónica dedicada ao Bonifácio e à sua chegada a Lisboa.
Assim, a 1ª página apresentava-se profusamente ilustrada com várias fotos dos acontecimentos mais relevantes da actualidade, não obstante a notícia que despertava a particular atenção dos leitores, centrava-se na descida quase incógnita de Bonifácio nas redondezas da Luz (Carnide), mais precisamente na Quinta de Montalegre e, como se calculava, incluía exaustiva reportagem do notável episódio, além de juntar um naipe de fotografias relativas a tão invulgar peripécia e que tanto apaixonou a população lisboeta.
UM GRANDE ACONTECIMENTO POPULAR
BONIFÁCIO desceu na Luz
NA AVENIDA DA LIBERDADE MILHARES E MILHARES DE PESSOAS
ACLAMARAM-NO
Os seus prospectos anunciaram a próxima realização da VIII
“VOLTA” A PORTUGAL e a publicação da novela desportiva e
cinematográfica “A VARANDA DOS ROUXINOIS”
O prémio de 2000 escudos foi ganho pelo alfaiate
António Castelhano
“Ergueu-se um clamor de aplausos, numa trovoada de palmas e “vivas”. Mil bocas frementes de alegria gritaram o nome do mensageiro ansiosamente esperado: Bonifácio! Bonifácio!”
Os prospectos lançados do avião anunciando a próxima realização da “VIII Volta a Portugal” e a publicação da novela cinematográfica e desportiva “A Varanda dos Rouxinóis”.
(in “Diário de Notícias” de 19/06/1939)
“Os olhos e as almas seguiam as asas do lindo aparelho, à espera de ver largar o corpo de Bonifácio. Saíam de lá como revoadas de aves brancas, muitos milhares de prospectos que desalinharam a multidão por os querer apanhar, a ponto de se interromper o trânsito por algum tempo, apesar do magnífico serviço de ordem organizado pela Polícia de Segurança Pública”. “Nesses prospectos, Bonifácio anunciava a “8ª Volta a Portugal em bicicleta” (2), organização do “Diário de Notícias” e a publicação no nosso jornal do folhetim “A Varanda dos Rouxinóis”, grande novela desportiva e animatográfica com base no filme em que está a trabalhar Leitão de Barros” (3).
Joaquim Fernandes, alinhando pela equipa pela CUF foi o grande vencedor da VIII Volta a Portugal em Bicicleta realizada em 1939.
(Foto Wikipédia)
“A grande mole de gente exultava de contentamento e de ansiedade. Bonifácio estava ali, a umas centenas de metros de altura e cada qual esperava o momento em que ele se lançasse no espaço para o apanhar e trazer ao “Diário de Notícias” a fim de ganhar os prometidos 2 mil escudos. Bonifácio rondava o sonho de cada um, como um anjo tutelar, imagem dourada pela tentadora promessa”.
Cartaz do filme “A varanda dos Rouxinóis”, película do realizador Leitão de Barros e que se estreou no Cinema Tivoli em 19 de Dezembro de 1939.
(Foto Wikipédia)
“Mas Bonifácio não descia. Caíam mais prospectos, o avião descreveu várias e arriscadas evoluções e, por fim, desapareceu aos olhos dos circunstantes numa nuvem azul”.
“Cabe dizer, nesta altura, porque não desceu Bonifácio na Avenida da Liberdade. Foi uma justificada prudência. Soprava um vento fortíssimo na direcção sudoeste (4). E como o corpo do nosso herói é frágil, havia o risco de que a ventania o arrastasse para o Tejo ou mesmo para o mar, o que não seria agradável para ninguém”.
“O aviador que pilotava o aparelho, justamente receoso do perigo, decidiu retroceder para o campo de aviação. A descida ficaria adiada para melhor oportunidade.
Mas Bonifácio protestou: tinha prometido que desceria, havia de descer! Que pensariam os seus amigos do “Diário de Notícias” se ele, comodamente, voltasse para casa com os 2.OOO escudos sem contemplar alguém? “
Em plena Avenida da Liberdade merendou-se, enquanto Bonifácio não chegava.
(recorte do Diário de Notícias no dia 19 de Junho de 1939)
“E ia já de regresso quando, para lá de Carnide, arrostando com todos os perigos, se precipitou no espaço. Abriu-se como a corola duma tulipa, o para-quedas de seda, branco, que o Sr. sargento-ajudante António José de Sousa, chefe dos mecânicos da Base Aérea da Ota, e o Sr. sargento Manuel Ferreira haviam feito para Bonifácio.
E o corpo do herói ficou bailando no espaço ao sabor da ventania”.
Notas:
(2)- A VIII Volta a Portugal em Bicicleta de 1939 teve o seu início no dia 3 de Agosto (Montijo) e terminou em Lisboa (Campo 28 de Maio) a 20 de Agosto. A grande prova velocipédica tinha uma extensão de 2.617 Km englobava 31 etapas. Joaquim Fernandes, natural de Coina (Barreiro) onde nasceu a 22 de Maio de 1914) alinhou pela equipa da CUF e foi o vencedor incontestado da prova:
1º Classificado na Geral Individual, além da conquista quatro etapas. O Sport Lisboa e Benfica triunfou na classificação por Equipas.
(3)- Filme do realizador Leitão de Barros conta a história de Madalena e Eduardo (naturais de Alcobaça) quando o seu idílio num dia de festa é interrompido pelo convite dirigido a ambos: Eduardo para abraçar a carreira de ciclista profissional e Madalena para enveredar pela carreira de actriz.
Apenas Eduardo aceitou e sagra-se campeão de ciclismo. Todavia, depois enamora-se por uma actriz de teatro e Madalena sentindo-se atraiçoada, toma o rumo da cidade de Lisboa e torna-se uma actriz de enorme prestígio. O filme estreou-se no Cinema Tivoli no dia 19 de Dezembro de 1939.
(4)- O vento fortíssimo soprava, efectivamente dos quadrantes tanto Norte como Oeste. Por tal motivo, o local escolhido pelo piloto do avião para o lançamento do Bonifácio teria sido nas imediações de Carnide na convicção de que a ventania empurrasse o conjunto de para-quedas e Bonifácio a uma distância calculada em cerca de 10Km, ou seja, até à Avenida da Liberdade.
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O alfaiate António Castelhano ainda na véspera admitira
a hipótese de agarrar o “Bonifácio”
“De Campolide, de Benfica, de Carnide, de Sete-Rios e outros pontos viram Bonifácio largar-se do avião. E foram momentos emocionantes os que se viveram. De toda a parte, com os olhos postos nele, corriam inúmeras pessoas ao seu encontro. Todos queriam Bonifácio, todos almejavam trazê-lo ao “Diário de Notícias” para cobrarem os dois mil escudos que ele dava”.
Um aspecto da grande multidão que aguardava o Bonifácio junto à estátua do Marquês de Pombal. Repare-se no serviço de ordem a cargo de agentes da PSP.
(recorte do “Diário de Notícias” do dia 19 de Junho de 1939)
“E Bonifácio largara-se ali na convicção de que a forte ventania o arrastasse para a Avenida, onde o esperavam a pé firme tantos milhares de admiradores. E verificou-se, então, um facto bem demonstrativo do provérbio “Guardado está o bocado para quem o há-de comer”.
“O alfaiate Sr. António de Almeida Castelhano, de 19 anos, morador na Rua dos Soeiros, 193, à Luz, trabalha numa alfaiataria da Rua Tomás Ribeiro, 17, ao Matadouro. Ao lado há uma barbearia onde ele esteve anteontem à tarde a falar no assunto obrigatório de todas as conversas: Bonifácio. Leitor assíduo do “Diário de Notícias” apreciava com o pessoal e outros fregueses da casa, as suas possibilidades de conquistar o dadivoso amigo quando, por calcular que seriam muitos os pretendentes, concluiu: “O que me convinha era que me caísse em casa!”
“E caiu, como os senhores vão ver. Ontem, o Sr. Castelhano esteve a trabalhar na alfaiataria e à tarde deu uma volta pela Avenida.
Animava-o a esperança de alcançar os dois contos do Bonifácio, mas eram tão numerosos os pretendentes, tanta a gente que, desiludido, resolveu ir para casa, convencido que a sorte não o podia bafejar”.
“Pelo caminho encontrou um dos prospectos em que Bonifácio anunciava a VIII Volta a Portugal em bicicleta, grande realização do “Diário de Notícias”, e a próxima publicação no nosso jornal da novela “A Varanda dos Rouxinóis”, mas seguiu convencido de que não seriam para si os dois mil escudos. Assim chegou ao Largo da Luz defronte do Colégio Militar (5).
De repente, uma forte emoção paralisou-o: no céu azul via-se um avião. E, inesperadamente, antes que tivesse tempo de fazer qualquer raciocínio, viu baloiçar-se no espaço um para-quedas. Era Bonifácio que se largava”.
“Ágil correu como um gamo, os olhos presos naquele ponto branco que era uma risonha esperança, o alfaiate saltou por quintas e caminhos seus conhecidos, até que foi dar à quinta de Montalegre, entre a Luz e a Estrada de Benfica, propriedade da Sra. D. Leonor dos Anjos, e onde ele habita com a família, pois seu pai, o Sr. Augusto Rodrigues Castelhano é ali rendeiro. Os caprichos singulares do Destino! Como ele admitira, Bonifácio fora-lhe cair em casa”.
Notas:
(5)- Tal como antes já fora descrito, António Castelhano encontrava-se nas proximidades do Largo da Luz aquando do seu regresso da Farmácia Matos onde tentara adquirir um medicamento que lhe minorasse a dor de dentes que tanto o atormentava.
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Bonifácio desceu triunfalmente a Avenida da Liberdade
“Bonifácio caiu às 18.30 horas numa seara daquela propriedade, mesmo nas traseiras do Colégio Militar. Envergava um fato de aviador, que os Grandes Armazéns do Chiado tiveram a gentileza de oferecer-lhe, bem como o fato com que ele se apresentará em público, e que são dois admiráveis trabalhos das oficinas de alfaiataria daquele importante estabelecimento”.
“O Sr. Castelhano agarrou-o e ao para-quedas e correu com ele para casa, já acompanhado por muitos populares menos felizes. Foi uma alegria enorme, indescritível, a daquela família. Colecções do “Diário de Notícias” foram trazidas para a porta e procurados afanosamente os cupões. Guardavam os jornais a trouxe-mouxe e não se haviam lembrado de recortar e guardar os cupões. Fez-se esse trabalho de última hora com grande alegria e, por fim, o Sr. Castelhano meteu-se num táxi com o Bonifácio e encaminhou-se para o “Diário de Notícias”.
António Castelhano, ao centro, na redacção do “Diário de Notícias”.
(recorte do Diário de Notícias de 19 de Junho de 1939)
“Ao atravessar a Praça Marquês de Pombal a multidão reconheceu Bonifácio e fez-se uma quente ovação. O Sr. Tenente Henriques da P.S.P. interveio, em “sidecar” a abrir caminho, para evitar um desastre, e Bonifácio desceu triunfalmente a Avenida da Liberdade, atravessou o Rossio e subiu o Chiado, sempre aclamado, até à porta do “Diário de Notícias”, onde se juntou muito povo”.
António Castelhano e o Bonifácio
(recorte do Diário de Notícias do dia 19 de Junho de 1939)
“O alfaiate Sr. António de Almeida Castelhano entregou Bonifácio e recebeu os dois mil escudos, ficando com uma mensagem que o simpático paraquedista trazia no bolso e que dizia:
“A sorte que hoje te guiou não te abandonará pela vida fora, porque eu sou “mascote” e terminava por aconselhar, quanto ao prémio: Aproveita em coisas úteis a maior parte e diverte-te um pouco também. Se o coração to pedir, bebe à minha saúde e do “Diário de Notícias”.
Hoje à tarde Bonifácio visitará a Caixa de Previdência
dos Vendedores dos Jornais
“Manifestando o seu grande interesse por uma classe que lhe merece a maior simpatia, Bonifácio resolveu que a sua primeira visita em Lisboa seja para os vendedores de jornais, cuja Caixa de Previdência visitará hoje às 16 horas”.
“Como sobejaram 200$00 da importância de 3.000$00 que Bonifácio nos enviou para os prémios de domingo, 11 do corrente, deliberou ele oferecer aquela quantia à referida Caixa. Bonifácio será o portador deste donativo”.
“Dos 41 prémios que Bonifácio distribuiu, por meio de prospectos lançados de avião no passado domingo, foram entregues até sábado, último dia do prazo estabelecido. Mais três de 50$00 aos Srs. José Teixeira, empregado no comércio; António Godinho, pintor; e António Nunes Barata, ferroviário”.
“Foram, pois, entregues 37 prémios. A importância dos quatro que não foram reclamados, 200$00, vai Bonifácio entregá-la como acima dizemos, à Caixa de Previdência dos Vendedores de Jornais”.
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Outros factos divulgados no Diário de Notícias no dia 18 de Junho de 1939 e que incluíam títulos bastante sugestivos:
“NO INSTITUTO DE ODIVELAS ENCERROU-SE ONTEM FESTIVANENTE
O ANO ESCOLAR”
Alunas do Instituto de Odivelas presentes na festa de ontem
(in Diário de Notícias de 19/06/1939)
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Uma breve nota noticiando a viagem do Sr. Presidente da República a África:
“O PRIMEIRO DIA da viagem do Sr. Presidente da República decorreu agradavelmente e com mar tranquilo”.
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“AS CERIMÓNIAS DO JURAMENTO DE BANDEIRA realizadas ontem em Lisboa e nas províncias”.
Associava três fotos com as anotações que se seguem: “Os recrutas prestando juramento”, “O terno de clarins em Sapadores dos Caminho-de-Ferro” a “A cerimónia do juramento de bandeira em Sacavém”.
Os recrutas dos Sapadores dos Caminhos-de-Ferro prestando juramento
(in Diário de Notícias de 19/06/1939) .
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EM COIMBRA: “1.800 LEGIONÁRIOS DO DISTRITO assistiram ontem a uma missa campal celebrada pelo Bispo-Conde, ratificaram o juramento de bandeira e desfilaram pela cidade, na presença de milhares de pessoas”.
Adicionava uma foto na página 5 com o seguinte título:
“Um aspecto da missa campal."
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“FORAM BAPTIZADOS e lançados à água três novos barcos da Brigada Naval” (6)
A Brigada Naval da Legião Portuguesa desfila junto ao Mosteiro dos Jerónimos nos anos 40 do século XX
(Foto Wikipédia)
Incluía uma foto dedicada ao evento legendada deste modo: “O Sr. Ministro da Marinha com duas das madrinhas dos novos barcos”.
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Algumas notícias do estrangeiro:
ÚLTIMAS NOTÍCIAS DE Dantzig:
“PRINCIPIA AGORA A NOSSA HISTÓRIA afirmou ontem Goebbels no Teatro da Cidade Livre”.
E sob o subtítulo “A impressão em Varsóvia”:
Causou péssima impressão em todo o país, o discurso pronunciado ontem em Dantzig pelo Dr. Goebbels. Nos círculos oficiais afirma-se que as palavras do Ministro da Propaganda do Reich serviram apenas para provocar uma maior exaltação nos espíritos que poderá ter consequências funestas.
Paul Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich na Alemanha Nazi de 1933 a 1945.
(Foto Wikipédia)
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“A SITUAÇÃO NO MÉDIO ORIENTE. FOI MORTO A TIRO UM JAPONÊS por uma sentinela da concessão britânica da cidade de Tien-Tsin”.
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Notas:
(6)- A Brigada Naval, considerado o organismo mais autónomo da Legião Portuguesa, estava vocacionada para actuar como reserva, relativamente à Marinha de Guerra. Desenvolvia outras actividades, seja no campo político/ideológico do regime e da repressão das populações, seja na administração marítima, propaganda do regime, solidariedade e ajuda social.
A Brigada Naval encontrava-se sediada no Quartel dos Marinheiros em Alcântara, Lisboa. Dispunha de um batalhão e de uma banda de música e mantinha destacamentos no Porto, em Ponta Delgada e em Angra do Heroísmo. Integrava a canhoneira Dio, onde funcionava a sua escola prática.
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O mundo envolto em chamas (1939/1945)
O espaço de tempo compreendido entre Setembro de 1939 e Maio de 1945 será fortemente marcado sob o signo da terrível 2ª Guerra Mundial. Historicamente considera-se que o seu início ocorre no dia 1 de Setembro de 1939 quando as forças armadas nazis da Alemanha invadem a Polónia.
De imediato, surgem as Declarações de Guerra, tanto da França, como da maioria dos países do Império Britânico da Commonwealth, sendo certo que nessa época, alguns países já se encontravam em guerra, tal como a Etiópia e a Itália (Segunda Guerra Ítalo-Etíope), além da China e o Japão na Segunda Guerra Sino-Japonesa.
O início da 2ª Guerra Mundial inicia-se com a invasão da Polónia no dia 1 de Setembro de 1939 pelas tropas nazis da Alemanha.
(Foto Wikipédia)
Perante o conflito europeu, o governo português vai proclamar a "neutralidade equidistante" e essa posição será objecto de uma nota oficiosa publicada nos jornais de 2 de Setembro e, logo no dia seguinte, 3 de Setembro de 1939, a Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha.
Em Portugal, um pouco mais tarde e afectando toda a população, entrará em cena o apertado racionamento de produtos alimentares essenciais, petróleo de iluminação, etc. Dois anos depois do início da Segunda Guerra Mundial, isto é, em Outubro de 1941, e depois do exército alemão ocupar uma grande parte da Europa Ocidental (França, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Polónia, etc.), as forças armadas nazis da Alemanha avançaram para Leste e estiveram a poucos quilómetros de Moscovo, mas não conseguiram conquistar a capital da União Soviética.
Embora muitos países não se tenham envolvido inicialmente na guerra, acabaram aderindo ao conflito em resposta ao agravamento da mesma, tal como a invasão da União Soviética pelos alemães e os ataques japoneses contra as forças dos Estados Unidos da América no Pacífico (Pearl Harbor) ou às colónias ultramarinas britânicas, factos que acabaram com declarações de guerra contra o Japão pelos Estados Unidos, Países Baixos e a Commonwealth Britânica.
O resultado final da guerra começou a a delinear-se em Stalingrado durante o mês de Fevereiro de 1943 quando o Exército Vermelho quebrou a espinha dorsal da Wehrmacht e dando início a gigantesca contra-ofensiva que se consolidou após a abertura duma poderosa Frente Ocidental verificada com o desembarque das tropas anglo-americanas na Normandia em Junho de 1944.
Perante a situação, o ministro da propaganda nazifascista, Joseph Goebbels declarava (22 de Abril de 1945) a cidade Berlim como "frente de batalha", mas onze dias depois, a capital alemã caía irremediavelmente em poder do Exército Vermelho.
A entrada do Exército Vermelho em Berlim vai precipitar o suicídio de Adolf Hitler. Aferrado no seu “bunker” na companhia de alguns apaniguados, põe termo à vida no dia 30 de Abril de 1945.
As tropas alemãs na Itália, Holanda, Dinamarca e no noroeste da Alemanha renderam-se após o anúncio do suicídio de Adolf Hitler e coube ao seu sucessor, o almirante Doenitz, determinar a cessação dos combates contra as tropas soviéticas e anglo-americanas.
No dia 2 de Maio de 1945, as emissoras britânicas interromperam as suas programações e comunicavam a todo o mundo o fim da guerra: "Berlim caiu. O marechal Josef Stalin acabou de anunciar a ocupação completa da capital da Alemanha, Berlim, a capital do imperialismo germânico e da agressão".
Soldados do Exercito Vermelho içam a bandeira da União Soviética no edifício do Reichstag após a Batalha de Berlim na 2ª Guerra Mundial.
(Foto Wikipédia)
Na semana seguinte e após a conquista de Berlim, os alemães irão assinar, na noite de 8 para 9 de Maio de 1945, a acta da capitulação incondicional.
Esta data passou a ser consagrada como o termo da guerra na Europa.
Findava o confronto mais violento da história da humanidade, mas vale a pena lembrar que oficialmente, a rendição alemã só ocorreu no dia 2 de Setembro de 1945.
Um mês depois, Churchill, Estaline e Truman, realizaram a Conferência de Potsdam com a finalidade da devolução, tanto à União Soviética como à Polónia, os territórios perdidos, além do completo desarmamento da Alemanha e da criação de um Tribunal Militar Internacional a fim de julgar o genocídio perpetrado pelos principais dirigentes alemães sobreviventes.
O fim da 2ª Guerra Mundial em 1945 com a vitória total dos Aliados, o alinhamento político/militar e a estrutura social a nível mundial será alterado significativamente e, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) era estabelecida para estimular a cooperação global e evitar futuros conflitos armados, a União Soviética e os Estados Unidos emergiam como superpotências rivais, preparando o terreno para uma “Guerra Fria” que se iria estender nas décadas seguintes.
E nesse ínterim, também a aceitação do princípio de autodeterminação acelerou vários movimentos de descolonização, tanto na Ásia como em África, enquanto a Europa ocidental iniciava um movimento de recuperação económica e integração política.
De certo modo, Portugal aproveita a oportunidade e vai desenvolver-se em vários sectores da sua actividade.
[Continua...]
***** O autor rejeita as normas do Novo Acordo Ortográfico.
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