Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2014)
Capítulo IV - Chuva de dinheiro inunda a cidade de Lisboa. Uma bênção do “Bonifácio”.
(por Fausto Castelhano **)
Afagou o bigode, fixou os lúzios na figura da bizarra personagem com a identificação “Eis o Bonifácio” e só depois resolveu ler e reler, de ponta a ponta, a insólita novidade arrumadinha no canto superior direito da edição domingueira do “Diário de Notícias” do dia 11 de Junho de 1939.
Embora já precavido por dois alertas anunciados no seu jornal de sempre, tanto na véspera (sábado, 10 de Junho de 1939), como também na sexta-feira 9 de Junho de 1939 (1) e aos quais não atribuiu demasiada importância, Augusto Castelhano nem queria acreditar na extravagante notícia pespegada no Diário de Notícias: “Esta tarde choverá dinheiro sobre Lisboa. Das 17 às 19 horas, um avião lançará sobre a cidade os prémios do BONIFÁCIO. Quem apanhar um prospecto numerado a vermelho e tiver em seu poder o retrato do BONIFÁCIO recortado do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS» tem garantido o prémio”.
O alerta lançado pelo Diário de Notícias de sexta-feira (9 de Junho de 1939) anunciando a próxima chegada do Bonifácio com o lançamento de milhares de prospectos sobre a cidade Lisboa (in "Diário de Notícias").
Augusto Castelhano ficou verdadeiramente embasbacado e os seus pensamentos fervilharam de imediato e conversou com os seus botões: “Ora esta! Parece que esta gentinha anda completamente maluca… Lançar dinheiro pela borda fora d’um avião não lembra ao Diabo mais velho. E quem será este estranhíssimo manganão? Que raio de fenómeno se estará a passar na cidade de Lisboa?”
E a descrição do fabuloso BONIFÁCIO conseguiu despertar-lhe uma desmesurada curiosidade: “BONIFÁCIO, que temos o prazer de mostrar aos nossos leitores numa reprodução em madeira do desenho dum grande artista, Arnaldo Ressano é, como se vê, um riso aberto, uma simpatia! Dentro de poucos dias, feita a sua apresentação em pessoa, conhecida a aventura da sua descida em pára-quedas e algumas das suas partidas de espírito, BONIFÁCIO será um símbolo de alegria”. E continuava: “Grato ao «Diário de Notícias» pelo interesse que tem tomado falando do seu regresso e tratando-o com amizade, BONIFÁCIO corresponde dispensando gentilezas aos nossos leitores, na verdade a melhor forma de nos cativar”.
“Aos nossos leitores de Lisboa se destinam as suas primeiras liberalidades. Como dissemos, um avião lançará hoje prospectos sobre a cidade, entre as 17 e as 18 horas; alguns desses prospectos são numerados a tinta vermelha. O leitor do «Diário de Notícias» que levar consigo o retrato do BONIFÁCIO, recortado do nosso número de hoje, e houver às mãos um prospecto numerado receberá o prémio correspondente”.
“Assim, 1 prémio no valor de 500$00 coube ao prospecto com o número 18 (o número favorito do BONIFÁCIO) e 10 prémios de 100$00 - aos prospectos com os números: 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 e ainda, 30 prémios de 50$00 aos prospectos com os números: 11,12,13,14,15,16,17,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37,38,39,40, 41”.
A 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939. E no canto superior direito, a sensacional notícia e foto do obscuro “Bonifácio” (in "Diário de Notícias" de 11 de Junho de 1939).
“As pessoas que tiverem a sorte de apanhar qualquer destes prospectos e o apresentarem na nossa Redacção das 22.00 horas à meia-noite de hoje receberão o prémio correspondente, desde que vão munidas com o retrato do BONIFÁCIO que hoje publicamos”. E no termo do informe: “OS PRÉMIOS DO BONIFÁCIO cairão, esta tarde, do céu sobre Lisboa”. E Augusto Castelhano, carregadinho de ilimitada desconfiança face à excepcional comunicação, teria certamente matutado: “Mas que ideia tão estrambótica, louvado seja Deus. Amanhã, o melhor será apontar o nariz p’ró céu, abrir os farolins de par em par e permanecer atento aos acontecimentos, talvez com um pouco de sorte, seja contemplado com um papelucho vermelho com direito a prémio chorudo. A ver vamos”.
Anúncio dos Rádios MINERVA inserido na 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939 (Foto Wikipédia).
Ora, na manhã do dia seguinte, segunda-feira 12 de Junho de 1939, quando o ardina chegou à Quinta de Montalegre e fez soar o badalo do portão de entrada da Rua dos Soeiros, 193, Maria Augusta foi abrir de imediato e, logo que recebeu o jornal (Diário de Notícias), recomendou-lhe de chapuz: “Olhe que o meu marido é freguês certo, portanto, faça o favor de não se esquecer de reservar o jornal todos os dias antes que se esgote. Parece que andam p’rá aí a lançar dinheiro do céu, não sabemos que raio de maluqueira se estará a passar, mas pelos vistos só entregam as notas do Banco mediante uns recortes que vêm no jornal”. E o vendedor de jornais que fazia a habitual ronda matinal na distribuição das publicações pela clientela da freguesia de Carnide, além doutros locais dos arredores retorquiu: “A D. Augusta pode estra descansada. Não me vou esquecer. Então, até amanhã!”
O tenebroso Millan Astray veio a Lisboa agradecer ao governo de Oliveira Salazar todo o apoio concedido ao generalíssimo Franco e seus sequazes contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia).
Após o almoço e antes de dormir a sesta como habitualmente (até cerca das 16.00 horas quando se levantaria a fim de proceder a medição do leite da ordenha da tarde a cargo do vaqueiro e amigo Manuel Rodrigues, o saudoso ti’Conde), Augusto Castelhano ainda agarrou no "Diário de Notícias" e passou uma rápida vista de olhos pelos títulos insertos na 1ª página do matutino, porque uma leitura mais cuidada ficaria para depois do jantar. Assim e a “letras gordas” sobressaía um conjunto de várias notícias da actualidade, a saber: “MILLAN ASTRAY chega hoje a Lisboa onde lhe estarão preparadas entusiásticas manifestações”. E a completar: “O poeta e orador José Maria Peman chegará amanhã em avião à Granja do Marquês”; “O CHEFE DO ESTADO AGRADECE A FRANCO as saudações enviadas pelo Generalíssimo aquando da recente reunião do Conselho Nacional da Falange Tradicionalista e das Jons” (Juventud Obrera Nacional Sindicalista). Mais duas notícias: “SÃO NUMEROSAS AS CRIANÇAS QUE FICARAM NA ORFANDADE por causa da catástrofe de Ponte do Lima” (incluía uma foto com a seguinte legenda: “O viúvo e os seis órfãos de Conceição Martins Feijó”. Uma pequena nota no canto inferior direito e originária de Londres: “FOI ESQUARTEJADA UMA MULHER, tendo aparecido uma cabeça, um braço e uma perna envolvida em jornais, num atalho isolado, perto duma aldeia inglesa”. Além de outras novidades de menor importância, cerca de metade da 1ª página do Diário de Notícias estava dedicada ao obscuro BONIFÁCIO. Encontravam-se incluídas quatro fotos e um extenso texto titulado a letras maiúsculas a propósito das peripécias ocorridas no dia anterior e onde avultava o voo do avião que lançara milhares de prospectos sobre a capital lisboeta, relatadas nestes termos:
O avião que distribuiu os prospectos de “Bonifácio” voa sobre a capital (in "Diário de Notícias" de 12 de Junho de 1939).
“ENTRE OS MILHARES DE PROSPECTOS LANÇADOS ONTEM DE AVIÃO SOBRE A CIDADE A ANUNCIAR A CHEGADA DE BONIFÁCIO FORAM DISTRIBUÍDOS três mil escudos”
“Bonifácio constituiu ontem, sem dúvida, o grande assunto do dia. Logo de manhã cedo, Lisboa alvoraçou-se. O Diário de Notícias não deixou de aparecer, como prometera, com a garantia de que, as primeiras liberalidades de Bonifácio iam tornar-se, ao cair da tarde, um facto insofismável”
“Após tantos dias vividos com a curiosidade acicatada pelo mistério desse Bonifácio excêntrico, amável, mas inteiramente desconhecido, o lisboeta não pôde furtar-se a algumas considerações de ordem, talvez muito íntimas mas profundamente humanas”.
“Quem não teria pensado com alguma fagueira esperança na fácil possibilidade de apanhar um dos prospectos premiados que o capricho de Bonifácio faria espalhar, às mãos largas, pelo céu de Lisboa? O certo é que, se houvesse quem, desde manhã cedo, se desse a querer descobrir o local preferível para aguardar a passagem do avião de Bonifácio, não faltou também quem saísse à rua sem cogitações de maior e apenas entregue à filosofia simples de que, aqui ou ali, numa rua ou num largo, havia de ser o que Bonifácio quisesse”. “Quando por volta das cinco horas, as asas claras do avião do «Diário de Notícias» surgiram, finalmente, muito baixo, sobre o casario da cidade, pode bem dizer-se que a cidade em peso pensou em Bonifácio. Mal os prospectos, aos milhares, começaram a ser lançados, os olhos estavam postos nesses prospectos, não diremos como se eles representassem uma autêntica sorte grande, mas com a certeza de que traduziam uma pequenina sorte bem fácil de agarrar. A questão estava, afinal, como sempre, em conseguir agarrá-la”.
“No Rossio, nas ruas da Baixa, na Avenida, no Parque Eduardo VII, nas Avenidas Novas, no Estádio - enfim - em toda a cidade, de Belém ao Poço do Bispo, do Terreiro do Paço ao Lumiar, a população de Lisboa passava a tarde a olhar o céu, a seguir o voo do avião do «Diário de Notícias», a ver e a correr, muitas vezes na ânsia de apanhar os almejados prospectos do extravagante e generoso Bonifácio”. E Bonifácio, fiel à sua palavra, foi deste modo e indiscutivelmente, a grande e amena distracção do lisboeta durante o dia de ontem”.
“O «Diário de Notícias» colocou ao serviço de Bonifácio, a fim de cumprir as suas determinações quanto à chuva de dinheiro sobre Lisboa, um avião “CUB” de 50 cavalos, oriundo da “Escola “Manuel Bramão”. Mais de quarenta quilogramas de prospectos foram colocados no avião que estava na pista de Alverca, de tal forma que, durante a manobra de lançamento, os prémios estivessem equitativamente distribuídos”.
“A bordo do avião seguiu o nosso camarada Mário Rosa que procedeu ao lançamento dos prospectos anunciadores da vinda de Bonifácio, com o objectivo de que eles se espalhassem por todos os bairros da capital. Onde primeiro caíram esses prospectos, foi para os lados das Avenidas Novas”. “O vento soprava um pouco do lado norte, atravessando o Tejo, de maneira que houve a preocupação de que esses impressos, que representavam dinheiro e podiam proporcionar momentos de alegria aos nossos leitores, não fossem cair no rio”. “O fim da iniciativa do Bonifácio era contemplar o maior número possível de pessoas. Esse fim foi plenamente atingido. De bordo do avião assistimos às correrias no Rossio, o que bem demonstrava o bom lançamento dos prospectos”. “De lés-a-lés, a capital foi alvo de um ataque aéreo de efeitos benéficos: dar dinheiro. Eis uma simpática missão da aeronáutica às ordens de Bonifácio”.
“Do céu, aos trambolhões, caíram centenas, milhares de papéis e entre esses, algumas dezenas tinham um número a vermelho, nem todos eram “brancos”. Cada um desses tem uma história, uma história diferente da anterior e que só se encontra num ponto: na satisfação que todos sentiram em ter recebido um presente do Bonifácio”. “Bonifácio, se subsistissem algumas dúvidas sobre o seu sentido de justiça e de amizade para com os seus semelhantes provaria, desta vez, o seu amor e o seu interesse por todos os que necessitam e trabalham. Com prospectos premiados passaram à nossa frente todas as classes sociais: do pequeno proprietário ao ardina, do funcionário público ao aprendiz de pedreiro”.
António Cardoso, empregado do Café Chave d’Ouro foi premiado com 50$00. Nos anos 40 e 50 do século XX foi local de oposição ao regime vigente de então, o chamado Estado Novo. Em Maio de 1956 alberga o lançamento da candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República em cuja conferência e à pergunta da France Press: “Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito? Proferira a célebre resposta: “Obviamente- demito-o” (in “Restos de Colecção").
“Garotos, homens, mulheres (não fosse ele o ídolo das mulheres) receberam dádivas valiosas de Bonifácio. Mas não basta dar, é preciso saber dar. E Bonifácio demonstrou que sabe dar…sem ofender. Então não é simpático o seu gesto de aproveitar a estadia em Lisboa do Sr. Alberto da Silva Pimentel, proprietário no Gavião, para lhe deixar cair nas mãos, quando estava numa bancada a assistir a um desafio de Football, o prospecto com o número 2, igual a 100 escudos?” “E o caso do comerciante Sr. António José Silva, que foi encontrar no telhado, mesmo junto ao cano do algeroz, um bilhete de 50$00… E se chovesse? Lá se ia o dinheiro pelo cano abaixo”. “O Sr. António Cerqueira Caldas é que teve sorte. Não se incomodou, não correu para apanhar os prospectos, não teve questões. Limitou-se a ir tomar o fresco para o quintal da sua residência. E que viu ele entre as flores e as couves? Um bilhete do Bonifácio - um só, mas este com 50$00. À Sr.ª D. Maria Rosa Lourenço sucedeu quase o mesmo - foi apanhar o prospecto na cascata do seu jardim. Para quê negar que estamos orgulhosos desta equitativa distribuição?”.
Jacinto Paulo Sousa, contemplado com 500$00 residia na Vila Cândida, nº 15, R/C, Freguesia da Penha de França, em Lisboa.
“Ao Sr. Francisco da Silva Moutela entrou-lhe o dinheiro pela porta dentro. Estava à porta do seu estabelecimento de bebidas quando viu que, mansamente, descia um papelucho. Apanhou-o, resultado, mais um premiado. O pequeno Carlos Jacinto é aprendiz de pedreiro. Deve ter chegado da sua aldeia há poucos meses e a nostalgia do campo levou-o ontem para o Parque Eduardo VII. Pois foi lá mesmo que a sorte o foi procurar, brindando o pequenito trolha com 50$00 - uma fortuna que ele levaria mais de uma semana a ganhar. Não foi este o único garoto a quem Bonifácio sorriu”. “Ao pequeno José Correia Quá, estudante de primeiras letras, coube-lhe 50$00. Que teria sentido o Mário Pinto Rodrigues - ardina por profissão, garotão por sentimento - quando apanhou um prospecto com 100$00? Os senhores já pensaram o que será um ardina com uma nota de cem? O António Cardoso é um daqueles moços vestidos à estudante de colégio inglês que o Café Chave de Ouro mantem entre o seu pessoal. Pois ontem passava na Rua do Ouro e, zás: 100$00 do Bonifácio”. “O porteiro do Café Palladium não esteve com meias medidas, apanhou o nº1. Até parece que se estabeleceu competição entre os dois estabelecimentos… O certo é que este dinheiro veio fazer a felicidade de muita gente - felicidade transitória é certo, mas a eterna existe acaso? Que o diga a serviçal Antónia da Conceição, que estava perto de casa a pensar nas agruras da vida e que viu descer do céu um mês de ordenado… E o caso do cozinheiro José Tudon que foi para o telhado apanhar um prospecto da primeira dezena? E mais, e tantos outros casos, todos diferentes, todos risonhos, todos comovedores, no fundo”. Bonifácio é galante com as damas”: “Um exemplo: a Sr.ª D. Rita de Assunção Ferreira, que foi encontrar na varanda, junto dos seus lindos cravos amarelos, um presente do simpático e inigualável Bonifácio. A verdade é que o nosso herói adora os cravos e raro é o dia em que um não lhe brilha na lapela”. “Esta senhora, ao conhecer este fraco do Bonifácio, prometeu-nos vir até cá no Domingo com um ramo dos seus lindos cravos. Desde já, em nome do Bonifácio, muito obrigado, minha senhora”.
Os contemplados com os prémios do Bonifácio vendo-se entre eles (X), Jacinto Paulo de Sousa, premiado com 500$00 (in Diário de Notícias de 12 de Junho de 1939)
“Perguntará, agora, o leitor: E esse célebre prémio de 500$00, esse número dezoito? Pois vão à Vila Cândida, nº15, rés-do-chão, e perguntem ao sr. Jacinto Paulo de Sousa como foi que, indo ontem pela Rua de Santa Marta viu cair os prospectos anunciando a vinda do Bonifácio, pôs um pé em cima de um e…apanhou 500$00”. “Perguntem-lhe e ele lhes dirá a sua gratidão pelo Bonifácio”: Deram-me um arranjo…Parece que nem de propósito. Numa altura destas…O Bonifácio é assim. Dá a quem precisa para levar aos lares tristes uma gargalhada de boa disposição”.
Além do prémio mais valioso de 500$00 atribuído a Jacinto Paulo de Sousa (Vila Cândida, nº15, r/c, empregado do comércio), seguia-se uma lista de 9 premiados com 100$00 e outro conjunto de 14 beneficiados com 50$00 e onde se referiam, também, as respectivas profissões e locais de residência.
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E chega o dia 13 de Junho, o dia festivo de Santo António de Lisboa que o "Diário de Notícias" assinala condignamente com figura alusiva aos Santos Populares e versos de Acácio de Paiva.
Outros títulos a destacar na 1ª página: “600 LEGIONÁRIOS E 400 POLÍCIAS fazem amanhã exercícios nocturnos no Bairro do Arco do Cego”; “A OBRA DO SR. MINISTRO DAS COLÓNIAS na ilha portuguesa de Timor”. E titulado com enormíssima saliência: “O FUNDADOR DO “TÉRCIO”, GENERAL MILLAN ASTRAY ESTÀ EM LISBOA DESDE ONTEM para as homenagens aos “Viriatos. E a completar: “Portugueses e espanhóis acolheram entusiasticamente o garboso cabo-de-guerra”. Seguia-se um dilatado texto relativo ao evento e que englobava quatro deploráveis fotos do torcionário espanhol, reflectindo de modo claríssimo o ambiente de intolerância que se vivia na época em ambos os países peninsulares.
O generalíssimo Francisco Franco e o general Millan Astray, dois temíveis quanto sanguinários personagens da Guerra Civil de Espanha (Foto Wikipédia).
Eis as legendas das fotos publicadas: “Millan Astray na Casa de Espanha durante a execução do hino da Legião Estrangeira” e onde, orgulhosamente de braço estendido, os convivas faziam a saudação nazi-fascista; “Millan Astray entrevistado por um redactor do Diário de Notícias”; “Millan Astray põe no peito do alferes Coelho da Rocha a sua medalha de Caballero Mutilado" e, na última foto, “Abraçando o capitão Jorge Botelho Moniz”. Enfim, um bando de gentalha pouco recomendável no rescaldo da Guerra Civil de Espanha (17/18 de Abril de 1936/1 de Abril de 1939).
Os “Viriatos” em terras espanholas onde combateram ao lado das tropas golpistas de general Francisco Franco contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia).
Outras notícias de interesse: “O OBSERVATÓRIO METEREOLÓGICO INFANTE D.LUÍS foi ontem visitado pelo Chefe do Estado, o que já não acontecia há 31 anos”; “VAI SER CONSTRUÍDO UM BAIRRO ECONÓMICO EM XABREGAS".
O Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz (1853 - 1946), ou Instituto do Infante D. Luís, foi um observatório meteorológico construído na cerca da Escola Politécnica de Lisboa, onde actualmente se encontra o Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. O observatório meteorológico veio a ser também denominado Instituto do Infante D. Luís. Em 1946, com a criação do Serviço Meteorológico Nacional assumiu o estatuto de estabelecimento anexo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Foto e texto Wikipédia)
Quanto ao benquisto Bonifácio, o "Diário de Notícias" colocou uma aparatosa epígrafe anunciando a sua chegada no próximo Domingo, 18 de Junho de 1939. Assim:
“Como se viu pela nossa reportagem, o primeiro contacto palpável de Bonifácio com os seus amigos de Lisboa (até agora, mais trinta pessoas apalparam as notas de 500, 100 e 50 escudos) constituiu um acontecimento na cidade. Alvoraçaram-se e encheram-se de alegria, na tarde de domingo, todos os bairros com a ideia da chuva de dinheiro; e, pelo belo serviço que fez o avião “CUB”, da Escola Manuel Bramão, os prospectos foram cair em pontos diversos permitindo uma distribuição feliz, porque foram parar na sua quase totalidade, a pessoas necessitadas, como se a mão do justo e generoso Bonifácio, pudesse guiar a mão de quem lançou os papéis e dominar os ventos desfavoráveis.”
No próximo Domingo, chegará de avião a Lisboa e descerá em paraquedas entre a Praça dos Restauradores e o Parque Eduardo VII (in Diário de Notícias de 13 de Junho de 1939).
“Cumpriu-se, assim, admiravelmente o que fora anunciado e os poucos prémios que não foram, até agora reclamados, porque os prospectos que caíram em quintais de casas desabitadas ou em telhados, em que ainda se conservam, serão pagos até sábado próximo, véspera da chegada de Bonifácio, se alguém os houver às mãos até lá, se algum saldo houve”.
Anúncio do Fermento em Pó Nacional afixado na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias").
Entretanto, o povoléu da cidade de Lisboa e arredores entrou em absoluta paranóia incitado massivamente, tanto pelos prospectos caídos do céu e que valiam dinheiro, como pela propaganda incisiva movida por intermédio das edições do "Diário de Notícias" o qual, na 1ª página da edição do dia 14 de Junho de 1939, surgia com as seguintes manchetes e onde avultava o título destacadíssimo a propósito da Exposição Mundial de Nova York de 1939/40: “UMA MENSAGEM DE SALAZAR AOS PORTUGUESES DA AMÉRICA DO NORTE”. Seguidamente e com letras mais pequenas: “Toda a nossa política se reduz, afinal, a fazer com que os portugueses sejam em tudo dignos das tradições da sua Pátria e mostrar-lhes que a Pátria é, pelo ressurgimento operado em todos os campos, digna do amor e dedicação dos seus filhos”.
Pois é, mas as prisões políticas do “regime”, desde Caxias a Peniche, Aljube e Angra do Heroísmo, até ao Campo de Concentração do Tarrafal encontravam-se atulhadas de patriotas portugueses…
Outros títulos: “A GRANDE PROVA DO CICLISMO PORTUGUÊS PROMOVIDA PELO DIÁRIO DE NOTÍCIAS terá este ano carácter internacional com a vinda de várias equipas estrangeiras”; “FOI DESCOBERTO UM IMPORTANTE ROUBO praticado no solar do visconde do Alcaide (Coimbra) dias antes do falecimento deste titular”; Com alguma visibilidade e acompanhada do respectivo mapa das concessões estrangeiras de Tien-Tsin: “COMEÇOU O CÊRCO À CONCESSÃO BRITÂNICA DE TIEN-TSIN”.
O mapa mostra as concessões estrangeiras de Tien-Tsin. As concessões Francesa e a Britânica encontram-se circundadas por arame farpado ali colocado pelos japoneses antes do actual incidente (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939).
E ainda: “A QUESTÃO DE DANTZIG pode levar a Polónia a invocar o Tratado de Versalhes”. Trazia anexada uma imagem com a legenda: Um aspecto típico de Dantzig: “A famosa torre medieval de tijolo e madeira erguida numa das margens do Vístula”.
Pois bem, e no que toca ao famigerado Bonifácio eram difundidas algumas novidades. Não só fora inserida a listagem dos cidadãos premiados no dia anterior, mas também seria lançado o 1º cupão relativo à sílaba inicial da palavra “Bonifácio”: BO. Perante tão importante dado, Augusto Castelhano aconselhou a esposa, Maria Augusta, que “dali em diante tomasse as devidas cautelas e não se esquecesse de guardar os jornais ou pelo menos, os cupões, pois nunca se sabe p’ra que lado o Destino se iria virar”.
E a difusão do fenomenal Bonifácio continuava em grande estilo: “SOBRE LISBOA EM PÁRA-QUEDAS, BONIFÁCIO VAI LANÇAR-SE NO PRÓXIMO DOMINGO”. E logo a seguir: “UM PRÉMIO DE 2.000$00 a quem o conduzir ao Diário de Notícias com a colecção completa dos cupões que começamos hoje a publicar”.
A resenha dos acontecimentos do dia anterior relativos ao Bonifácio e a publicação do primeiro cupão com a primeira sílaba BO (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939).
E insistia: “Já não faltam muitos dias para que a ansiedade da população de Lisboa seja acalmada com a presença de Bonifácio. O herói de tantas proezas e aventuras, todas inspiradas numa alegria sã e num fim generoso, vai aparecer, enfim, aos olhos de milhares e milhares de curiosos, alguns já muito agradecidos, como sejam aqueles que receberam as suas primeiras lembranças no domingo passado”. “Bonifácio não necessita de reclamos, porque, além de ser um génio alegre, principia a ser considerado mascote. Bonifácio traz consigo, além da boa disposição, a sorte para aqueles que o fitarem com fé e principalmente para o primeiro que tiver a ventura de o tocar”. “Limitamo-nos, por isso, a repetir a boa nova: Bonifácio chegará no próximo domingo à tarde de avião. Bonifácio lançar-se-á em pára-quedas, entre os Restauradores e o Parque Eduardo VII. Bonifácio será portador de um Prémio de DOIS CONTOS para a pessoa que o apanhar e o levar ao Diário de Notícias”.
O anúncio da “Volta a Portugal 1939” em bicicleta 1ª página do Diário de Notícias (in "Diário de Notícias" de 14/6/1939).
“BONIFÁCIO, dado o seu carinho pelo nosso jornal, exigirá apenas, a quem venha a ter a sorte de o acompanhar, um pequeno cuidado: ir munido na tarde do próximo domingo, 18 de Junho, com os recortes dos cinco cupões que, de hoje até lá, publicaremos com as cinco sílabas do seu nome glorioso: BO-NI-FÁ-CI-O”.
E o assunto sobre o Bonifácio termina com a alusão aos premiados do dia anterior: “Dos prémios que o Bonifácio distribuiu no passado domingo, por avião, foram entregues mais três de 50$00: Maria Helena Martins Saraiva, estudante; Félix Ruivo, fiscal de vinhos; António Tavares, tipógrafo). Há ainda, espalhados pela cidade, sete prospectos do Bonifácio premiados”.
E no dia seguinte, 15 de Junho de 1939, inserido na primeira página do "Diário de Notícias", sobressaía um título em grandes parangonas embandeirando em arco: “UM SALDO DE 240 MIL E 800 CONTOS nas Contas Públicas. OS IMPOSTOS INDIRECTOS RENDERAM mais de 109 mil e 500 contos do que a verba calculada em orçamento”.
Pois é, mas o povinho continuava na mais negra das penúrias, afora a violenta repressão exercida pelas forças policiais ou militarizadas: a Legião Portuguesa e a implacável PIDE (Polícia de Vigilância e de Defesa Estado), além de formidável contingente de incontáveis informadores vulgo, bufos, recrutados em todas as classes sociais da sociedade portuguesa.
Com algum impacto e associada a quatro fotos, a seguinte informação: “NOVECENTOS HOMENS; CARROS DE ASSALTO E AUTO-METRADORAS DA P.S.P. E DA “LEGIÃO” fizeram exercícios de conjunto ontem à noite no Arco do Cego”.
Ainda outras notícias: “DUAS HORAS DE RÍTMO na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII” mostrando, também uma elucidativa imagem de um grupo de simpáticas crianças em plena exibição;
Exibição dum grupo de crianças na festa “Duas horas de ritmos” realizada na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939).
Um drama passional: “DIZE UMA PALAVRA QUE ME SALVE”, suplicava o criminoso à sua vítima depois de a ter esfaqueado”; Uma fotografia remetia os leitores para a página 5. Constava de um grupo de personalidades que rodeavam o celerado Millan Astray, os quais de braços estendidos, exteriorizavam a sua ideologia fascista. A legenda: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra”;
Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra (in "Diário de Notícias" de 15/6/1939).
“300 CRIANÇAS partiram ontem para a Colónia Balnear da Cruz Quebrada (com foto); “ESTÃO QUASE TERMINADAS as obras da Avenida Almirante Reis” (incluía foto a condizer); “A VIAGEM PRESIDENCIAL FOI MARCADA PARA AS 18 HORAS DO PRÓXIMO SÁBADO a partida do Colonial” (referia-se à segunda viagem presidencial ao Império Colonial Português).
Entretanto, a saga em torno do fabuloso Bonifácio continuava em níveis elevados, agora com a inserção do cupão nº 2 (a sílaba NI) e o anúncio da descida em paraquedas no próximo Domingo que se previa deveras espectacular: “DOMINGO, das 18 para as 19 horas” “A POPULAÇÃO DE LISBOA ASSISTIRÁ À EMOCIONANTE DESCIDA DE BONIFÁCIO EM PÁRA-QUEDAS”
As novidades do Bonifácio e que incluía o cupão nº 2 com 2ª silaba da palavra Bonifácio: NI (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939).
“Toda a gente pode habilitar-se ao Prémio da Recepção do Bonifácio, ESC.2.000$00, coleccionando os cupões que o DIÁRIO DE NOTÍCIAS está a publicar. É hoje publicado o 2º cupão que dá direito ao PRÉMIO DA RECEPÇÃO DO BONIFÁCIO: dois-passos para o grande acontecimento do PRÓXIMO DIA 18, que será um Domingo cheio de alegria e de esperança”.
“O simpático amigo do Diário de Notícias surgirá no céu azul de Lisboa, num belo avião, voará muito baixo sobre a Praça dos Restauradores e a Avenida da Liberdade e descerá em pára-quedas das 17 para as 19 horas, conforme temos informado. Quem o encontrar e o levar à nossa Redacção receberá um prémio de 2.000 escudos. Só temos que recomendar aos nossos leitores interessados na aparição do alegre e generoso Bonifácio que não se esqueçam de ir recortando os cupões”.
Chegara a antevéspera da vinda do amistoso Bonifácio e a edição do "Diário de Notícias" de Sexta-feira, 16 de Junho de 1939, anexando o cupão nº3 com a sílaba FA, ajudava à festa excitando tudo e todos. Vejamos:
Bonifácio chega depois de amanhã e trás notícias sensacionais (in "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).
“É já depois de amanhã que Bonifácio surgirá no seu avião sobre a cidade de Lisboa. Entre as 18 e as 19 horas, quando voar baixo sobre a Avenida, os seus inumeráveis admiradores procurarão ansiosamente distinguir na carlinga a sua face risonha, que só por si inspira boa disposição. Depois, Bonifácio elevar-se-á para estudar o ponto exacto da sua descida em pára-quedas, que não será, em caso algum, no Parque Eduardo VII, pelo acidentado do terreno e ainda pelo risco de algum pé-de-vento desviar o aparelho para o lago”.
O cupão nº 3 com a terceira sílaba (FÁ) da palavra Bonifácio (in da edição do "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).
“O prémio de dois mil escudos será entregue a quem o conduzir ao Diário de Notícias. As credenciais junto do Bonifácio (isto é, o que habilita ao prémio quem primeiro dele se aproximar) serão os cupões com as sílabas do seu nome, dos quais hoje publicamos o terceiro: Chegada do BONIFÁCIO - O prémio de 2.000$00 que Bonifácio dará a quem o apanhar, no próximo Domingo, quando ele se lançar do avião, em pára-quedas, só será entregue mediante a apresentação de 5 cupões do «Diário de Notícias» com as sílabas BO-NI-FÁ-CI-O. Cortar e guardar.
Outros títulos que ressaltavam na primeira página do matutino lisboeta a que se seguiam os respectivos desenvolvimentos: “RESUMO DAS CONTAS PÚBLICAS DE 1938. UMA IDEIA CLARA MAS SUCINTA DA NOSSA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA”. E depois: “Para chegar a tais resultados foi preciso fazer grandes reformas nas contas, na Fazenda, nos impostos, na dívida, nas pautas e montar em bases diversas os serviços”;
“O JAPÃO MOSTRA-SE DECIDIDO A EXIGIR A REVISÂO TOTAL DA POLÍTICA BRITÂNICA NA CHINA e ameaça tomar novas medidas contra a concessão de Tien-Tsin. Navios nipónicos estabeleceram o bloqueio a Amoy” (foto da ponte internacional de Tien-Tsin); “A VOLTA A PORTUGAL- 1939 (trazia anexada uma fotografia com os delegados dos clubes desportivos concorrentes); “O COMISSÁRIO GERAL DA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS reuniu ontem num almoço íntimo os seus mais directos colaboradores” (agregava uma fotografia do evento com a legenda: “O Sr. Dr. Augusto de Castro na presidência do almoço”. Um extenso artigo a propósito da próxima visita do Presidente da República à África Portuguesa encontrava intitulado deste modo: “O SIGNIFICADO DA VIAGEM PRESIDENCIAL”.
Anúncio das Bolachas Araruta na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias").
Acrescentemos mais duas pequenas notícias: “UM VISIONÁRIO QUE QUIS IR A MARTE E FOI PARAR À CADEIA; “AS OBRAS CAMARÁRIAS PARA TRANSFORMAÇÃO E EMBELEZAMENTO DE LISBOA previstas no programa de comemorações centenárias prosseguem activamente” (Foto com o seguinte rótulo: “Os vereadores observando as obras de prolongamento da Rua Alexandre Herculano”).
Chegou sábado, 17 de Junho de 1939 e a 1ª página do matutino da Travessa da Queimada / Rua do Diário de Notícias (antiga Rua dos Calafates, focava diversos assuntos: “MILLAN ASTRAY que ontem foi recebido pelo Sr. Presidente do Conselho regressa hoje ao seu país”, avivada através de foto com o celerado militar espanhol. Assim: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha e outras individualidades na festa de ontem”; Enquadrado com a imagem do infortunado submergível navegando em pleno alto-mar: “MAIS UM SUBMARINO QUE DESAPARECEU: O “PHENIX”, um dos mais poderosos submersíveis franceses imergiu anteontem ao largo de Saigon, com 71 homens a bordo e não voltou à superfície”.
No entanto, mais de metade da página encontrava-se dedicada à próxima visita do Presidente da República a África. Assim, titulado em letras garrafais: “O CHEFE DO ESTADO (ÓSCAR CARMONA) parte hoje às 18 horas para a visita oficial a Cabo Verde, Moçambique e União Sul-Africana”.
O paquete “Colonial” (pintado de branco) frente ao Cais das Colunas, tal como conduzirá o Chefe do Estado na sua viagem a África (Foto Wikipédia).
“Extenso texto acentuado por vários subtítulos: “A homenagem da Aviação”; “O cortejo fluvial”; “O itinerário da viagem”; “A divisão naval que escolta o Chefe do Estado”; “Os enviados especiais que acompanham o Chefe do Estado” (Imprensa estrangeira); “Uma expressiva homenagem do Clube Náutico e da Sociedade de Propaganda de Cascais”.
A notícia do retumbante acontecimento incluía a inserção de quatro fotografias relativas ao excepcional evento e respectivas legendas: “Uma expressão optimista do Chefe do Estado”; “O senhor Presidente do Conselho foi ontem à noite a Cascais despedir-se do senhor Presidente da República”; “Dr. Francisco Vieira Machado, Ministro das Colónias”; “O paquete “Colonial”, todo pintado de branco, tal como conduzirá o Chefe do estado na sua viagem a África. África”.
Outras notícias: “MIL AVIÕES FRANCESES E BRITÂNICOS tomarão parte numa grande manifestação de forças aéreas que vai realizar-se em Paris de 16 a 17 do próximo mês”;
“PRINCIPIA HOJE o primeiro voo histórico entre os Estados Unidos e a Europa”; “O Japão intensifica a sua política anti-britânica”. Ler noticiário na 5ª página.
Pois bem, a finalizar o noticiário e alinhado no canto inferior direito, algumas informações sobre a chegada do benemérito Bonifácio onde se encontrava, também afixado o 4º cupão com a sílaba CI:
“Os amigos do Bonifácio e as pessoas que estão guardando os cupões para a sua recepção contam as horas, contam os minutos que faltam para a sua chegada triunfal. Não será muito longa essa ansiedade, porque o grande acontecimento está marcado para amanhã, das 18 às 19 horas, o Bonifácio, homem moderno, prima em ser pontual”.
“O avião voará baixo sobre a cidade e subirá a Avenida lançando prospectos que anunciarão agradáveis surpresas ao público e principalmente aos leitores do Diário de Notícias”. “Depois, Bonifácio elevar-se-á para escolher o ponto mais favorável para a descida em paraquedas. Esse ponto não será em caso algum o Parque Eduardo VII”.
“É amanhã, pois o grande dia. Quem levar recortados os 5 cupões (de que hoje damos o nº4) e for o primeiro a tomar contacto com o nosso herói terá o prémio de 2.000 escudos”.
Enfim, a passos largos aproximava-se o momento culminante em que o famoso Bonifácio seria lançado em paraquedas e, finalmente abraçaria o povo da cidade de Lisboa.
A antevéspera de todas as sensações chegou, o povo da cidade de Lisboa estoirava de inconcebível alvoroço e prantava-se de fuças empinadas p’ró firmamento mal pressentia o roncar de qualquer avião. Jamais tamanha doideira atormentara a população alfacinha.
E Augusto Castelhano que também já embarcara na onda eufórica provocada pela vinda do almejado “Bonifácio” voltou a rogar à cara-metade Maria Augusta que não perdesse de vista nem os jornais e, muito menos todos os cupões se, por porventura, já os recortar.
“Agora, mais que nunca, uma vez que o filho António resolveu andar parvamente encrencado e garante a toda a gente que encontra pelo caminho que será ele, ele mesmo que vai apanhar o estupor do Bonifácio. E mais, mal entra em casa ou na alfaiataria da Avenida Casal Ribeiro, não pensa noutra coisa. Ainda se vai lixar com o patrão, agora que vai bem encarreirado na arte que escolheu. É um verdadeiro massacre todo o santo-dia, louvado seja Deus. Andam todos doidos, rás-parta o maldito Bonifácio”.
A esposa Augusta, sempre atarefada com os múltiplos afazeres domésticos, há muito tempo que deitara o assunto p’ra trás das costas. “Quero lá saber, era só o que faltava andar-me a “ralar” com tal fantochada”.
A Lucialina, a Maria Manuela e a Maria Helena acirravam o irmão António, mal lhe deitavam a vista em cima: “Que se deixasse de tanta gabarolice, seria quase um milagre se tivesse a sorte de apanhar o Bonifácio no meio de milhares de pessoas ávidas de arrebanhar os dois contitos de réis. Tem juízo na cachimónia”.
E António começou a dar indícios de algum desânimo e já andava a murmurar pelos cantos: “Se ao menos o grande safado do Bonifácio resolvesse descer aqui pertinho”.
Enervado, enfiou-se na cama e, algo obcecado com o Bonifácio, tentou dormir…
[Continua]
***** O autor rejeita as normas do Novo Acordo Ortográfico.
NOTAS:
(1)- Texto inserido no "Diário de Notícias" no dia 9 de Junho de 1939 anunciando a sua vinda a Lisboa.
“Bonifácio é infatigável. Anteontem, telegrafou-nos de Paris, pois, através do nosso colega vespertino, a ”Noite”, vimos com espanto que se encontrava ontem, mesmo, em Luxemburgo, na metrópole dos brinquedos. A hora avançada da noite, recebemos novo telegrama do Bonifácio. No que ele nos diz e ordena aí vai um breve resumo”.
“Bonifácio chega por toda a próxima semana, A necessidade de preparar a bagagem impede-o ainda, contra seu desejo, de indicar o dia certo da chegada a Lisboa. E, torna a insistir. No sábado somente poderá informar-nos”.
“Pretende Bonifácio que a notícia do seu aparecimento seja motivo de júbilo e, por isso, quer que façamos espalhar no próximo domingo por todos os bairros de Lisboa prospectos/programas anunciando a feliz nova”.
“Mas, sempre o mesmo, este Bonifácio, pretende ele que a difusão da notícia provoque um verdadeiro entusiasmo. E, por isso, propôs-nos que alguns desses programas, dezenas e dezenas, sejam numerados a vermelho. E cada um destes dará direito a um prémio pecuniário”.
“Aqui está o que ordena o Bonifácio e que vamos esforçar-nos por cumprir. O público de Lisboa fica, porém, certo de uma coisa, é que dos papelinhos espalhados anunciando a chegada do Bonifácio alguns, os numerados, valem dinheiro que é a primeira oferta do Bonifácio”.
Eis o Bonifácio (in Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939)
Embora já precavido por dois alertas anunciados no seu jornal de sempre, tanto na véspera (sábado, 10 de Junho de 1939), como também na sexta-feira 9 de Junho de 1939 (1) e aos quais não atribuiu demasiada importância, Augusto Castelhano nem queria acreditar na extravagante notícia pespegada no Diário de Notícias: “Esta tarde choverá dinheiro sobre Lisboa. Das 17 às 19 horas, um avião lançará sobre a cidade os prémios do BONIFÁCIO. Quem apanhar um prospecto numerado a vermelho e tiver em seu poder o retrato do BONIFÁCIO recortado do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS» tem garantido o prémio”.
O alerta lançado pelo Diário de Notícias de sexta-feira (9 de Junho de 1939) anunciando a próxima chegada do Bonifácio com o lançamento de milhares de prospectos sobre a cidade Lisboa (in "Diário de Notícias").
Augusto Castelhano ficou verdadeiramente embasbacado e os seus pensamentos fervilharam de imediato e conversou com os seus botões: “Ora esta! Parece que esta gentinha anda completamente maluca… Lançar dinheiro pela borda fora d’um avião não lembra ao Diabo mais velho. E quem será este estranhíssimo manganão? Que raio de fenómeno se estará a passar na cidade de Lisboa?”
E a descrição do fabuloso BONIFÁCIO conseguiu despertar-lhe uma desmesurada curiosidade: “BONIFÁCIO, que temos o prazer de mostrar aos nossos leitores numa reprodução em madeira do desenho dum grande artista, Arnaldo Ressano é, como se vê, um riso aberto, uma simpatia! Dentro de poucos dias, feita a sua apresentação em pessoa, conhecida a aventura da sua descida em pára-quedas e algumas das suas partidas de espírito, BONIFÁCIO será um símbolo de alegria”. E continuava: “Grato ao «Diário de Notícias» pelo interesse que tem tomado falando do seu regresso e tratando-o com amizade, BONIFÁCIO corresponde dispensando gentilezas aos nossos leitores, na verdade a melhor forma de nos cativar”.
O anúncio no Diário de Notícias no dia 10 de Junho de 1939 (in "Diário de Notícias").
“Aos nossos leitores de Lisboa se destinam as suas primeiras liberalidades. Como dissemos, um avião lançará hoje prospectos sobre a cidade, entre as 17 e as 18 horas; alguns desses prospectos são numerados a tinta vermelha. O leitor do «Diário de Notícias» que levar consigo o retrato do BONIFÁCIO, recortado do nosso número de hoje, e houver às mãos um prospecto numerado receberá o prémio correspondente”.
A 1ª página da edição do Diário de Notícias do dia 11 de Junho de 1939.
(in "Diário de Notícias" de 11 de Junho de 1939)
“Assim, 1 prémio no valor de 500$00 coube ao prospecto com o número 18 (o número favorito do BONIFÁCIO) e 10 prémios de 100$00 - aos prospectos com os números: 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 e ainda, 30 prémios de 50$00 aos prospectos com os números: 11,12,13,14,15,16,17,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37,38,39,40, 41”.
A 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939. E no canto superior direito, a sensacional notícia e foto do obscuro “Bonifácio” (in "Diário de Notícias" de 11 de Junho de 1939).
“As pessoas que tiverem a sorte de apanhar qualquer destes prospectos e o apresentarem na nossa Redacção das 22.00 horas à meia-noite de hoje receberão o prémio correspondente, desde que vão munidas com o retrato do BONIFÁCIO que hoje publicamos”. E no termo do informe: “OS PRÉMIOS DO BONIFÁCIO cairão, esta tarde, do céu sobre Lisboa”. E Augusto Castelhano, carregadinho de ilimitada desconfiança face à excepcional comunicação, teria certamente matutado: “Mas que ideia tão estrambótica, louvado seja Deus. Amanhã, o melhor será apontar o nariz p’ró céu, abrir os farolins de par em par e permanecer atento aos acontecimentos, talvez com um pouco de sorte, seja contemplado com um papelucho vermelho com direito a prémio chorudo. A ver vamos”.
Anúncio dos Rádios MINERVA inserido na 1ª página da edição do Diário de Notícias de 11 de Junho de 1939 (Foto Wikipédia).
Ora, na manhã do dia seguinte, segunda-feira 12 de Junho de 1939, quando o ardina chegou à Quinta de Montalegre e fez soar o badalo do portão de entrada da Rua dos Soeiros, 193, Maria Augusta foi abrir de imediato e, logo que recebeu o jornal (Diário de Notícias), recomendou-lhe de chapuz: “Olhe que o meu marido é freguês certo, portanto, faça o favor de não se esquecer de reservar o jornal todos os dias antes que se esgote. Parece que andam p’rá aí a lançar dinheiro do céu, não sabemos que raio de maluqueira se estará a passar, mas pelos vistos só entregam as notas do Banco mediante uns recortes que vêm no jornal”. E o vendedor de jornais que fazia a habitual ronda matinal na distribuição das publicações pela clientela da freguesia de Carnide, além doutros locais dos arredores retorquiu: “A D. Augusta pode estra descansada. Não me vou esquecer. Então, até amanhã!”
O tenebroso Millan Astray veio a Lisboa agradecer ao governo de Oliveira Salazar todo o apoio concedido ao generalíssimo Franco e seus sequazes contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia).
Após o almoço e antes de dormir a sesta como habitualmente (até cerca das 16.00 horas quando se levantaria a fim de proceder a medição do leite da ordenha da tarde a cargo do vaqueiro e amigo Manuel Rodrigues, o saudoso ti’Conde), Augusto Castelhano ainda agarrou no "Diário de Notícias" e passou uma rápida vista de olhos pelos títulos insertos na 1ª página do matutino, porque uma leitura mais cuidada ficaria para depois do jantar. Assim e a “letras gordas” sobressaía um conjunto de várias notícias da actualidade, a saber: “MILLAN ASTRAY chega hoje a Lisboa onde lhe estarão preparadas entusiásticas manifestações”. E a completar: “O poeta e orador José Maria Peman chegará amanhã em avião à Granja do Marquês”; “O CHEFE DO ESTADO AGRADECE A FRANCO as saudações enviadas pelo Generalíssimo aquando da recente reunião do Conselho Nacional da Falange Tradicionalista e das Jons” (Juventud Obrera Nacional Sindicalista). Mais duas notícias: “SÃO NUMEROSAS AS CRIANÇAS QUE FICARAM NA ORFANDADE por causa da catástrofe de Ponte do Lima” (incluía uma foto com a seguinte legenda: “O viúvo e os seis órfãos de Conceição Martins Feijó”. Uma pequena nota no canto inferior direito e originária de Londres: “FOI ESQUARTEJADA UMA MULHER, tendo aparecido uma cabeça, um braço e uma perna envolvida em jornais, num atalho isolado, perto duma aldeia inglesa”. Além de outras novidades de menor importância, cerca de metade da 1ª página do Diário de Notícias estava dedicada ao obscuro BONIFÁCIO. Encontravam-se incluídas quatro fotos e um extenso texto titulado a letras maiúsculas a propósito das peripécias ocorridas no dia anterior e onde avultava o voo do avião que lançara milhares de prospectos sobre a capital lisboeta, relatadas nestes termos:
“Chega dentro de dias”
O BONIFÁCIO!
O avião que distribuiu os prospectos de “Bonifácio” voa sobre a capital (in "Diário de Notícias" de 12 de Junho de 1939).
“ENTRE OS MILHARES DE PROSPECTOS LANÇADOS ONTEM DE AVIÃO SOBRE A CIDADE A ANUNCIAR A CHEGADA DE BONIFÁCIO FORAM DISTRIBUÍDOS três mil escudos”
“Bonifácio constituiu ontem, sem dúvida, o grande assunto do dia. Logo de manhã cedo, Lisboa alvoraçou-se. O Diário de Notícias não deixou de aparecer, como prometera, com a garantia de que, as primeiras liberalidades de Bonifácio iam tornar-se, ao cair da tarde, um facto insofismável”
“Após tantos dias vividos com a curiosidade acicatada pelo mistério desse Bonifácio excêntrico, amável, mas inteiramente desconhecido, o lisboeta não pôde furtar-se a algumas considerações de ordem, talvez muito íntimas mas profundamente humanas”.
“Quem não teria pensado com alguma fagueira esperança na fácil possibilidade de apanhar um dos prospectos premiados que o capricho de Bonifácio faria espalhar, às mãos largas, pelo céu de Lisboa? O certo é que, se houvesse quem, desde manhã cedo, se desse a querer descobrir o local preferível para aguardar a passagem do avião de Bonifácio, não faltou também quem saísse à rua sem cogitações de maior e apenas entregue à filosofia simples de que, aqui ou ali, numa rua ou num largo, havia de ser o que Bonifácio quisesse”. “Quando por volta das cinco horas, as asas claras do avião do «Diário de Notícias» surgiram, finalmente, muito baixo, sobre o casario da cidade, pode bem dizer-se que a cidade em peso pensou em Bonifácio. Mal os prospectos, aos milhares, começaram a ser lançados, os olhos estavam postos nesses prospectos, não diremos como se eles representassem uma autêntica sorte grande, mas com a certeza de que traduziam uma pequenina sorte bem fácil de agarrar. A questão estava, afinal, como sempre, em conseguir agarrá-la”.
Um dos muitos aspectos de interesse que Bonifácio despertou ontem no público de Lisboa.
(Foto "Diário Notícias")
“No Rossio, nas ruas da Baixa, na Avenida, no Parque Eduardo VII, nas Avenidas Novas, no Estádio - enfim - em toda a cidade, de Belém ao Poço do Bispo, do Terreiro do Paço ao Lumiar, a população de Lisboa passava a tarde a olhar o céu, a seguir o voo do avião do «Diário de Notícias», a ver e a correr, muitas vezes na ânsia de apanhar os almejados prospectos do extravagante e generoso Bonifácio”. E Bonifácio, fiel à sua palavra, foi deste modo e indiscutivelmente, a grande e amena distracção do lisboeta durante o dia de ontem”.
Lisboa vista do ar
“O «Diário de Notícias» colocou ao serviço de Bonifácio, a fim de cumprir as suas determinações quanto à chuva de dinheiro sobre Lisboa, um avião “CUB” de 50 cavalos, oriundo da “Escola “Manuel Bramão”. Mais de quarenta quilogramas de prospectos foram colocados no avião que estava na pista de Alverca, de tal forma que, durante a manobra de lançamento, os prémios estivessem equitativamente distribuídos”.
O nosso redactor Mário Rosa subindo para o avião.
(Foto publicada no "Diário de Notícias")
“A bordo do avião seguiu o nosso camarada Mário Rosa que procedeu ao lançamento dos prospectos anunciadores da vinda de Bonifácio, com o objectivo de que eles se espalhassem por todos os bairros da capital. Onde primeiro caíram esses prospectos, foi para os lados das Avenidas Novas”. “O vento soprava um pouco do lado norte, atravessando o Tejo, de maneira que houve a preocupação de que esses impressos, que representavam dinheiro e podiam proporcionar momentos de alegria aos nossos leitores, não fossem cair no rio”. “O fim da iniciativa do Bonifácio era contemplar o maior número possível de pessoas. Esse fim foi plenamente atingido. De bordo do avião assistimos às correrias no Rossio, o que bem demonstrava o bom lançamento dos prospectos”. “De lés-a-lés, a capital foi alvo de um ataque aéreo de efeitos benéficos: dar dinheiro. Eis uma simpática missão da aeronáutica às ordens de Bonifácio”.
Bonifácio chega no próximo domingo
A história dos prémios e a alegria dos premiados
“Do céu, aos trambolhões, caíram centenas, milhares de papéis e entre esses, algumas dezenas tinham um número a vermelho, nem todos eram “brancos”. Cada um desses tem uma história, uma história diferente da anterior e que só se encontra num ponto: na satisfação que todos sentiram em ter recebido um presente do Bonifácio”. “Bonifácio, se subsistissem algumas dúvidas sobre o seu sentido de justiça e de amizade para com os seus semelhantes provaria, desta vez, o seu amor e o seu interesse por todos os que necessitam e trabalham. Com prospectos premiados passaram à nossa frente todas as classes sociais: do pequeno proprietário ao ardina, do funcionário público ao aprendiz de pedreiro”.
António Cardoso, empregado do Café Chave d’Ouro foi premiado com 50$00. Nos anos 40 e 50 do século XX foi local de oposição ao regime vigente de então, o chamado Estado Novo. Em Maio de 1956 alberga o lançamento da candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República em cuja conferência e à pergunta da France Press: “Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito? Proferira a célebre resposta: “Obviamente- demito-o” (in “Restos de Colecção").
“Garotos, homens, mulheres (não fosse ele o ídolo das mulheres) receberam dádivas valiosas de Bonifácio. Mas não basta dar, é preciso saber dar. E Bonifácio demonstrou que sabe dar…sem ofender. Então não é simpático o seu gesto de aproveitar a estadia em Lisboa do Sr. Alberto da Silva Pimentel, proprietário no Gavião, para lhe deixar cair nas mãos, quando estava numa bancada a assistir a um desafio de Football, o prospecto com o número 2, igual a 100 escudos?” “E o caso do comerciante Sr. António José Silva, que foi encontrar no telhado, mesmo junto ao cano do algeroz, um bilhete de 50$00… E se chovesse? Lá se ia o dinheiro pelo cano abaixo”. “O Sr. António Cerqueira Caldas é que teve sorte. Não se incomodou, não correu para apanhar os prospectos, não teve questões. Limitou-se a ir tomar o fresco para o quintal da sua residência. E que viu ele entre as flores e as couves? Um bilhete do Bonifácio - um só, mas este com 50$00. À Sr.ª D. Maria Rosa Lourenço sucedeu quase o mesmo - foi apanhar o prospecto na cascata do seu jardim. Para quê negar que estamos orgulhosos desta equitativa distribuição?”.
Jacinto Paulo Sousa, contemplado com 500$00 residia na Vila Cândida, nº 15, R/C, Freguesia da Penha de França, em Lisboa.
(Foto de Arnaldo Madureira, 1940 do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa)
“Ao Sr. Francisco da Silva Moutela entrou-lhe o dinheiro pela porta dentro. Estava à porta do seu estabelecimento de bebidas quando viu que, mansamente, descia um papelucho. Apanhou-o, resultado, mais um premiado. O pequeno Carlos Jacinto é aprendiz de pedreiro. Deve ter chegado da sua aldeia há poucos meses e a nostalgia do campo levou-o ontem para o Parque Eduardo VII. Pois foi lá mesmo que a sorte o foi procurar, brindando o pequenito trolha com 50$00 - uma fortuna que ele levaria mais de uma semana a ganhar. Não foi este o único garoto a quem Bonifácio sorriu”. “Ao pequeno José Correia Quá, estudante de primeiras letras, coube-lhe 50$00. Que teria sentido o Mário Pinto Rodrigues - ardina por profissão, garotão por sentimento - quando apanhou um prospecto com 100$00? Os senhores já pensaram o que será um ardina com uma nota de cem? O António Cardoso é um daqueles moços vestidos à estudante de colégio inglês que o Café Chave de Ouro mantem entre o seu pessoal. Pois ontem passava na Rua do Ouro e, zás: 100$00 do Bonifácio”. “O porteiro do Café Palladium não esteve com meias medidas, apanhou o nº1. Até parece que se estabeleceu competição entre os dois estabelecimentos… O certo é que este dinheiro veio fazer a felicidade de muita gente - felicidade transitória é certo, mas a eterna existe acaso? Que o diga a serviçal Antónia da Conceição, que estava perto de casa a pensar nas agruras da vida e que viu descer do céu um mês de ordenado… E o caso do cozinheiro José Tudon que foi para o telhado apanhar um prospecto da primeira dezena? E mais, e tantos outros casos, todos diferentes, todos risonhos, todos comovedores, no fundo”. Bonifácio é galante com as damas”: “Um exemplo: a Sr.ª D. Rita de Assunção Ferreira, que foi encontrar na varanda, junto dos seus lindos cravos amarelos, um presente do simpático e inigualável Bonifácio. A verdade é que o nosso herói adora os cravos e raro é o dia em que um não lhe brilha na lapela”. “Esta senhora, ao conhecer este fraco do Bonifácio, prometeu-nos vir até cá no Domingo com um ramo dos seus lindos cravos. Desde já, em nome do Bonifácio, muito obrigado, minha senhora”.
Os contemplados com os prémios do Bonifácio vendo-se entre eles (X), Jacinto Paulo de Sousa, premiado com 500$00 (in Diário de Notícias de 12 de Junho de 1939)
“Perguntará, agora, o leitor: E esse célebre prémio de 500$00, esse número dezoito? Pois vão à Vila Cândida, nº15, rés-do-chão, e perguntem ao sr. Jacinto Paulo de Sousa como foi que, indo ontem pela Rua de Santa Marta viu cair os prospectos anunciando a vinda do Bonifácio, pôs um pé em cima de um e…apanhou 500$00”. “Perguntem-lhe e ele lhes dirá a sua gratidão pelo Bonifácio”: Deram-me um arranjo…Parece que nem de propósito. Numa altura destas…O Bonifácio é assim. Dá a quem precisa para levar aos lares tristes uma gargalhada de boa disposição”.
Prémios pagos ontem à noite
Além do prémio mais valioso de 500$00 atribuído a Jacinto Paulo de Sousa (Vila Cândida, nº15, r/c, empregado do comércio), seguia-se uma lista de 9 premiados com 100$00 e outro conjunto de 14 beneficiados com 50$00 e onde se referiam, também, as respectivas profissões e locais de residência.
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E chega o dia 13 de Junho, o dia festivo de Santo António de Lisboa que o "Diário de Notícias" assinala condignamente com figura alusiva aos Santos Populares e versos de Acácio de Paiva.
Figura e versos alusivos ao Dia de Santo António (in "Diário de Notícias" de 13 de Junho de 1939).
Outros títulos a destacar na 1ª página: “600 LEGIONÁRIOS E 400 POLÍCIAS fazem amanhã exercícios nocturnos no Bairro do Arco do Cego”; “A OBRA DO SR. MINISTRO DAS COLÓNIAS na ilha portuguesa de Timor”. E titulado com enormíssima saliência: “O FUNDADOR DO “TÉRCIO”, GENERAL MILLAN ASTRAY ESTÀ EM LISBOA DESDE ONTEM para as homenagens aos “Viriatos. E a completar: “Portugueses e espanhóis acolheram entusiasticamente o garboso cabo-de-guerra”. Seguia-se um dilatado texto relativo ao evento e que englobava quatro deploráveis fotos do torcionário espanhol, reflectindo de modo claríssimo o ambiente de intolerância que se vivia na época em ambos os países peninsulares.
O generalíssimo Francisco Franco e o general Millan Astray, dois temíveis quanto sanguinários personagens da Guerra Civil de Espanha (Foto Wikipédia).
Eis as legendas das fotos publicadas: “Millan Astray na Casa de Espanha durante a execução do hino da Legião Estrangeira” e onde, orgulhosamente de braço estendido, os convivas faziam a saudação nazi-fascista; “Millan Astray entrevistado por um redactor do Diário de Notícias”; “Millan Astray põe no peito do alferes Coelho da Rocha a sua medalha de Caballero Mutilado" e, na última foto, “Abraçando o capitão Jorge Botelho Moniz”. Enfim, um bando de gentalha pouco recomendável no rescaldo da Guerra Civil de Espanha (17/18 de Abril de 1936/1 de Abril de 1939).
Os “Viriatos” em terras espanholas onde combateram ao lado das tropas golpistas de general Francisco Franco contra o governo legítimo da República de Espanha (Foto Wikipédia).
Outras notícias de interesse: “O OBSERVATÓRIO METEREOLÓGICO INFANTE D.LUÍS foi ontem visitado pelo Chefe do Estado, o que já não acontecia há 31 anos”; “VAI SER CONSTRUÍDO UM BAIRRO ECONÓMICO EM XABREGAS".
O Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz (1853 - 1946), ou Instituto do Infante D. Luís, foi um observatório meteorológico construído na cerca da Escola Politécnica de Lisboa, onde actualmente se encontra o Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. O observatório meteorológico veio a ser também denominado Instituto do Infante D. Luís. Em 1946, com a criação do Serviço Meteorológico Nacional assumiu o estatuto de estabelecimento anexo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Foto e texto Wikipédia)
Quanto ao benquisto Bonifácio, o "Diário de Notícias" colocou uma aparatosa epígrafe anunciando a sua chegada no próximo Domingo, 18 de Junho de 1939. Assim:
NO PRÓXIMO DOMINGO
BONIFÁCIO
CHEGARÁ DE AVIÃO A LISBOA E DESCERÁ EM PÁRA-QUEDAS
entre a Praça dos Restauradores e o Parque Eduardo VII.
Foram ontem distribuídos mais alguns prémios do Bonifácio.
“Como se viu pela nossa reportagem, o primeiro contacto palpável de Bonifácio com os seus amigos de Lisboa (até agora, mais trinta pessoas apalparam as notas de 500, 100 e 50 escudos) constituiu um acontecimento na cidade. Alvoraçaram-se e encheram-se de alegria, na tarde de domingo, todos os bairros com a ideia da chuva de dinheiro; e, pelo belo serviço que fez o avião “CUB”, da Escola Manuel Bramão, os prospectos foram cair em pontos diversos permitindo uma distribuição feliz, porque foram parar na sua quase totalidade, a pessoas necessitadas, como se a mão do justo e generoso Bonifácio, pudesse guiar a mão de quem lançou os papéis e dominar os ventos desfavoráveis.”
No próximo Domingo, chegará de avião a Lisboa e descerá em paraquedas entre a Praça dos Restauradores e o Parque Eduardo VII (in Diário de Notícias de 13 de Junho de 1939).
“Cumpriu-se, assim, admiravelmente o que fora anunciado e os poucos prémios que não foram, até agora reclamados, porque os prospectos que caíram em quintais de casas desabitadas ou em telhados, em que ainda se conservam, serão pagos até sábado próximo, véspera da chegada de Bonifácio, se alguém os houver às mãos até lá, se algum saldo houve”.
Anúncio do Fermento em Pó Nacional afixado na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias").
Entretanto, o povoléu da cidade de Lisboa e arredores entrou em absoluta paranóia incitado massivamente, tanto pelos prospectos caídos do céu e que valiam dinheiro, como pela propaganda incisiva movida por intermédio das edições do "Diário de Notícias" o qual, na 1ª página da edição do dia 14 de Junho de 1939, surgia com as seguintes manchetes e onde avultava o título destacadíssimo a propósito da Exposição Mundial de Nova York de 1939/40: “UMA MENSAGEM DE SALAZAR AOS PORTUGUESES DA AMÉRICA DO NORTE”. Seguidamente e com letras mais pequenas: “Toda a nossa política se reduz, afinal, a fazer com que os portugueses sejam em tudo dignos das tradições da sua Pátria e mostrar-lhes que a Pátria é, pelo ressurgimento operado em todos os campos, digna do amor e dedicação dos seus filhos”.
O pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Nova York de 1939/40 (Foto Wikipédia)
Pois é, mas as prisões políticas do “regime”, desde Caxias a Peniche, Aljube e Angra do Heroísmo, até ao Campo de Concentração do Tarrafal encontravam-se atulhadas de patriotas portugueses…
Outros títulos: “A GRANDE PROVA DO CICLISMO PORTUGUÊS PROMOVIDA PELO DIÁRIO DE NOTÍCIAS terá este ano carácter internacional com a vinda de várias equipas estrangeiras”; “FOI DESCOBERTO UM IMPORTANTE ROUBO praticado no solar do visconde do Alcaide (Coimbra) dias antes do falecimento deste titular”; Com alguma visibilidade e acompanhada do respectivo mapa das concessões estrangeiras de Tien-Tsin: “COMEÇOU O CÊRCO À CONCESSÃO BRITÂNICA DE TIEN-TSIN”.
O mapa mostra as concessões estrangeiras de Tien-Tsin. As concessões Francesa e a Britânica encontram-se circundadas por arame farpado ali colocado pelos japoneses antes do actual incidente (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939).
E ainda: “A QUESTÃO DE DANTZIG pode levar a Polónia a invocar o Tratado de Versalhes”. Trazia anexada uma imagem com a legenda: Um aspecto típico de Dantzig: “A famosa torre medieval de tijolo e madeira erguida numa das margens do Vístula”.
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Pois bem, e no que toca ao famigerado Bonifácio eram difundidas algumas novidades. Não só fora inserida a listagem dos cidadãos premiados no dia anterior, mas também seria lançado o 1º cupão relativo à sílaba inicial da palavra “Bonifácio”: BO. Perante tão importante dado, Augusto Castelhano aconselhou a esposa, Maria Augusta, que “dali em diante tomasse as devidas cautelas e não se esquecesse de guardar os jornais ou pelo menos, os cupões, pois nunca se sabe p’ra que lado o Destino se iria virar”.
E a difusão do fenomenal Bonifácio continuava em grande estilo: “SOBRE LISBOA EM PÁRA-QUEDAS, BONIFÁCIO VAI LANÇAR-SE NO PRÓXIMO DOMINGO”. E logo a seguir: “UM PRÉMIO DE 2.000$00 a quem o conduzir ao Diário de Notícias com a colecção completa dos cupões que começamos hoje a publicar”.
A resenha dos acontecimentos do dia anterior relativos ao Bonifácio e a publicação do primeiro cupão com a primeira sílaba BO (in "Diário de Notícias" de 14 de Junho de 1939).
E insistia: “Já não faltam muitos dias para que a ansiedade da população de Lisboa seja acalmada com a presença de Bonifácio. O herói de tantas proezas e aventuras, todas inspiradas numa alegria sã e num fim generoso, vai aparecer, enfim, aos olhos de milhares e milhares de curiosos, alguns já muito agradecidos, como sejam aqueles que receberam as suas primeiras lembranças no domingo passado”. “Bonifácio não necessita de reclamos, porque, além de ser um génio alegre, principia a ser considerado mascote. Bonifácio traz consigo, além da boa disposição, a sorte para aqueles que o fitarem com fé e principalmente para o primeiro que tiver a ventura de o tocar”. “Limitamo-nos, por isso, a repetir a boa nova: Bonifácio chegará no próximo domingo à tarde de avião. Bonifácio lançar-se-á em pára-quedas, entre os Restauradores e o Parque Eduardo VII. Bonifácio será portador de um Prémio de DOIS CONTOS para a pessoa que o apanhar e o levar ao Diário de Notícias”.
O anúncio da “Volta a Portugal 1939” em bicicleta 1ª página do Diário de Notícias (in "Diário de Notícias" de 14/6/1939).
“BONIFÁCIO, dado o seu carinho pelo nosso jornal, exigirá apenas, a quem venha a ter a sorte de o acompanhar, um pequeno cuidado: ir munido na tarde do próximo domingo, 18 de Junho, com os recortes dos cinco cupões que, de hoje até lá, publicaremos com as cinco sílabas do seu nome glorioso: BO-NI-FÁ-CI-O”.
E o assunto sobre o Bonifácio termina com a alusão aos premiados do dia anterior: “Dos prémios que o Bonifácio distribuiu no passado domingo, por avião, foram entregues mais três de 50$00: Maria Helena Martins Saraiva, estudante; Félix Ruivo, fiscal de vinhos; António Tavares, tipógrafo). Há ainda, espalhados pela cidade, sete prospectos do Bonifácio premiados”.
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E no dia seguinte, 15 de Junho de 1939, inserido na primeira página do "Diário de Notícias", sobressaía um título em grandes parangonas embandeirando em arco: “UM SALDO DE 240 MIL E 800 CONTOS nas Contas Públicas. OS IMPOSTOS INDIRECTOS RENDERAM mais de 109 mil e 500 contos do que a verba calculada em orçamento”.
Pois é, mas o povinho continuava na mais negra das penúrias, afora a violenta repressão exercida pelas forças policiais ou militarizadas: a Legião Portuguesa e a implacável PIDE (Polícia de Vigilância e de Defesa Estado), além de formidável contingente de incontáveis informadores vulgo, bufos, recrutados em todas as classes sociais da sociedade portuguesa.
Com algum impacto e associada a quatro fotos, a seguinte informação: “NOVECENTOS HOMENS; CARROS DE ASSALTO E AUTO-METRADORAS DA P.S.P. E DA “LEGIÃO” fizeram exercícios de conjunto ontem à noite no Arco do Cego”.
Ainda outras notícias: “DUAS HORAS DE RÍTMO na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII” mostrando, também uma elucidativa imagem de um grupo de simpáticas crianças em plena exibição;
Exibição dum grupo de crianças na festa “Duas horas de ritmos” realizada na Estufa-Fria do Parque Eduardo VII (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939).
Um drama passional: “DIZE UMA PALAVRA QUE ME SALVE”, suplicava o criminoso à sua vítima depois de a ter esfaqueado”; Uma fotografia remetia os leitores para a página 5. Constava de um grupo de personalidades que rodeavam o celerado Millan Astray, os quais de braços estendidos, exteriorizavam a sua ideologia fascista. A legenda: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra”;
Millan Astray com o Embaixador de Espanha na sua chegada à sede da União dos Inválidos de Guerra (in "Diário de Notícias" de 15/6/1939).
“300 CRIANÇAS partiram ontem para a Colónia Balnear da Cruz Quebrada (com foto); “ESTÃO QUASE TERMINADAS as obras da Avenida Almirante Reis” (incluía foto a condizer); “A VIAGEM PRESIDENCIAL FOI MARCADA PARA AS 18 HORAS DO PRÓXIMO SÁBADO a partida do Colonial” (referia-se à segunda viagem presidencial ao Império Colonial Português).
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Entretanto, a saga em torno do fabuloso Bonifácio continuava em níveis elevados, agora com a inserção do cupão nº 2 (a sílaba NI) e o anúncio da descida em paraquedas no próximo Domingo que se previa deveras espectacular: “DOMINGO, das 18 para as 19 horas” “A POPULAÇÃO DE LISBOA ASSISTIRÁ À EMOCIONANTE DESCIDA DE BONIFÁCIO EM PÁRA-QUEDAS”
As novidades do Bonifácio e que incluía o cupão nº 2 com 2ª silaba da palavra Bonifácio: NI (in "Diário de Notícias" de 15 de Junho de 1939).
“Toda a gente pode habilitar-se ao Prémio da Recepção do Bonifácio, ESC.2.000$00, coleccionando os cupões que o DIÁRIO DE NOTÍCIAS está a publicar. É hoje publicado o 2º cupão que dá direito ao PRÉMIO DA RECEPÇÃO DO BONIFÁCIO: dois-passos para o grande acontecimento do PRÓXIMO DIA 18, que será um Domingo cheio de alegria e de esperança”.
“O simpático amigo do Diário de Notícias surgirá no céu azul de Lisboa, num belo avião, voará muito baixo sobre a Praça dos Restauradores e a Avenida da Liberdade e descerá em pára-quedas das 17 para as 19 horas, conforme temos informado. Quem o encontrar e o levar à nossa Redacção receberá um prémio de 2.000 escudos. Só temos que recomendar aos nossos leitores interessados na aparição do alegre e generoso Bonifácio que não se esqueçam de ir recortando os cupões”.
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Chegara a antevéspera da vinda do amistoso Bonifácio e a edição do "Diário de Notícias" de Sexta-feira, 16 de Junho de 1939, anexando o cupão nº3 com a sílaba FA, ajudava à festa excitando tudo e todos. Vejamos:
BONIFÁCIO chega depois de amanhã e trás notícias sensacionais.
BONIFÁCIO descerá em paraquedas das 18 para as 19 horas.
BONIFÁCIO lançará do seu avião milhares de prospectos anunciando iniciativas do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS».
Bonifácio chega depois de amanhã e trás notícias sensacionais (in "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).
“É já depois de amanhã que Bonifácio surgirá no seu avião sobre a cidade de Lisboa. Entre as 18 e as 19 horas, quando voar baixo sobre a Avenida, os seus inumeráveis admiradores procurarão ansiosamente distinguir na carlinga a sua face risonha, que só por si inspira boa disposição. Depois, Bonifácio elevar-se-á para estudar o ponto exacto da sua descida em pára-quedas, que não será, em caso algum, no Parque Eduardo VII, pelo acidentado do terreno e ainda pelo risco de algum pé-de-vento desviar o aparelho para o lago”.
O cupão nº 3 com a terceira sílaba (FÁ) da palavra Bonifácio (in da edição do "Diário de Notícias" de 16 de Junho de 1939).
O prémio de dois mil escudos
“O prémio de dois mil escudos será entregue a quem o conduzir ao Diário de Notícias. As credenciais junto do Bonifácio (isto é, o que habilita ao prémio quem primeiro dele se aproximar) serão os cupões com as sílabas do seu nome, dos quais hoje publicamos o terceiro: Chegada do BONIFÁCIO - O prémio de 2.000$00 que Bonifácio dará a quem o apanhar, no próximo Domingo, quando ele se lançar do avião, em pára-quedas, só será entregue mediante a apresentação de 5 cupões do «Diário de Notícias» com as sílabas BO-NI-FÁ-CI-O. Cortar e guardar.
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Outros títulos que ressaltavam na primeira página do matutino lisboeta a que se seguiam os respectivos desenvolvimentos: “RESUMO DAS CONTAS PÚBLICAS DE 1938. UMA IDEIA CLARA MAS SUCINTA DA NOSSA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA”. E depois: “Para chegar a tais resultados foi preciso fazer grandes reformas nas contas, na Fazenda, nos impostos, na dívida, nas pautas e montar em bases diversas os serviços”;
A ponte internacional de Tien-Tsin (in "Diário de Notícias" de 16/6/1939).
“O JAPÃO MOSTRA-SE DECIDIDO A EXIGIR A REVISÂO TOTAL DA POLÍTICA BRITÂNICA NA CHINA e ameaça tomar novas medidas contra a concessão de Tien-Tsin. Navios nipónicos estabeleceram o bloqueio a Amoy” (foto da ponte internacional de Tien-Tsin); “A VOLTA A PORTUGAL- 1939 (trazia anexada uma fotografia com os delegados dos clubes desportivos concorrentes); “O COMISSÁRIO GERAL DA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS reuniu ontem num almoço íntimo os seus mais directos colaboradores” (agregava uma fotografia do evento com a legenda: “O Sr. Dr. Augusto de Castro na presidência do almoço”. Um extenso artigo a propósito da próxima visita do Presidente da República à África Portuguesa encontrava intitulado deste modo: “O SIGNIFICADO DA VIAGEM PRESIDENCIAL”.
Anúncio das Bolachas Araruta na 1ª página do Diário de Notícias do dia 14/6/1939: “Use fermento em pó nacional” (in "Diário de Notícias").
Acrescentemos mais duas pequenas notícias: “UM VISIONÁRIO QUE QUIS IR A MARTE E FOI PARAR À CADEIA; “AS OBRAS CAMARÁRIAS PARA TRANSFORMAÇÃO E EMBELEZAMENTO DE LISBOA previstas no programa de comemorações centenárias prosseguem activamente” (Foto com o seguinte rótulo: “Os vereadores observando as obras de prolongamento da Rua Alexandre Herculano”).
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Chegou sábado, 17 de Junho de 1939 e a 1ª página do matutino da Travessa da Queimada / Rua do Diário de Notícias (antiga Rua dos Calafates, focava diversos assuntos: “MILLAN ASTRAY que ontem foi recebido pelo Sr. Presidente do Conselho regressa hoje ao seu país”, avivada através de foto com o celerado militar espanhol. Assim: “Millan Astray com o Embaixador de Espanha e outras individualidades na festa de ontem”; Enquadrado com a imagem do infortunado submergível navegando em pleno alto-mar: “MAIS UM SUBMARINO QUE DESAPARECEU: O “PHENIX”, um dos mais poderosos submersíveis franceses imergiu anteontem ao largo de Saigon, com 71 homens a bordo e não voltou à superfície”.
O Presidente do Estado, Óscar Carmona e o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar (Foto Wikipédia).
No entanto, mais de metade da página encontrava-se dedicada à próxima visita do Presidente da República a África. Assim, titulado em letras garrafais: “O CHEFE DO ESTADO (ÓSCAR CARMONA) parte hoje às 18 horas para a visita oficial a Cabo Verde, Moçambique e União Sul-Africana”.
O paquete “Colonial” (pintado de branco) frente ao Cais das Colunas, tal como conduzirá o Chefe do Estado na sua viagem a África (Foto Wikipédia).
“Extenso texto acentuado por vários subtítulos: “A homenagem da Aviação”; “O cortejo fluvial”; “O itinerário da viagem”; “A divisão naval que escolta o Chefe do Estado”; “Os enviados especiais que acompanham o Chefe do Estado” (Imprensa estrangeira); “Uma expressiva homenagem do Clube Náutico e da Sociedade de Propaganda de Cascais”.
A notícia do retumbante acontecimento incluía a inserção de quatro fotografias relativas ao excepcional evento e respectivas legendas: “Uma expressão optimista do Chefe do Estado”; “O senhor Presidente do Conselho foi ontem à noite a Cascais despedir-se do senhor Presidente da República”; “Dr. Francisco Vieira Machado, Ministro das Colónias”; “O paquete “Colonial”, todo pintado de branco, tal como conduzirá o Chefe do estado na sua viagem a África. África”.
Outras notícias: “MIL AVIÕES FRANCESES E BRITÂNICOS tomarão parte numa grande manifestação de forças aéreas que vai realizar-se em Paris de 16 a 17 do próximo mês”;
Aviões Spitfire vão tomar parte num festival aéreo que se realizará em Paris nos dias 16 e 17 de Julho (Foto Wikipédia).
“PRINCIPIA HOJE o primeiro voo histórico entre os Estados Unidos e a Europa”; “O Japão intensifica a sua política anti-britânica”. Ler noticiário na 5ª página.
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Pois bem, a finalizar o noticiário e alinhado no canto inferior direito, algumas informações sobre a chegada do benemérito Bonifácio onde se encontrava, também afixado o 4º cupão com a sílaba CI:
O 4º cupão afixado na 1ª página do Diário de Notícias do dia 17 de Junho de 1939 (in Diário de Notícias)
DOIS CONTOS a quem apanhar
AMANHÃ, DAS 18 PARA AS 19 HORAS
O BONIFÁCIO que desce em paraquedas sobre Lisboa
“Os amigos do Bonifácio e as pessoas que estão guardando os cupões para a sua recepção contam as horas, contam os minutos que faltam para a sua chegada triunfal. Não será muito longa essa ansiedade, porque o grande acontecimento está marcado para amanhã, das 18 às 19 horas, o Bonifácio, homem moderno, prima em ser pontual”.
“O avião voará baixo sobre a cidade e subirá a Avenida lançando prospectos que anunciarão agradáveis surpresas ao público e principalmente aos leitores do Diário de Notícias”. “Depois, Bonifácio elevar-se-á para escolher o ponto mais favorável para a descida em paraquedas. Esse ponto não será em caso algum o Parque Eduardo VII”.
“É amanhã, pois o grande dia. Quem levar recortados os 5 cupões (de que hoje damos o nº4) e for o primeiro a tomar contacto com o nosso herói terá o prémio de 2.000 escudos”.
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Enfim, a passos largos aproximava-se o momento culminante em que o famoso Bonifácio seria lançado em paraquedas e, finalmente abraçaria o povo da cidade de Lisboa.
A antevéspera de todas as sensações chegou, o povo da cidade de Lisboa estoirava de inconcebível alvoroço e prantava-se de fuças empinadas p’ró firmamento mal pressentia o roncar de qualquer avião. Jamais tamanha doideira atormentara a população alfacinha.
E Augusto Castelhano que também já embarcara na onda eufórica provocada pela vinda do almejado “Bonifácio” voltou a rogar à cara-metade Maria Augusta que não perdesse de vista nem os jornais e, muito menos todos os cupões se, por porventura, já os recortar.
“Agora, mais que nunca, uma vez que o filho António resolveu andar parvamente encrencado e garante a toda a gente que encontra pelo caminho que será ele, ele mesmo que vai apanhar o estupor do Bonifácio. E mais, mal entra em casa ou na alfaiataria da Avenida Casal Ribeiro, não pensa noutra coisa. Ainda se vai lixar com o patrão, agora que vai bem encarreirado na arte que escolheu. É um verdadeiro massacre todo o santo-dia, louvado seja Deus. Andam todos doidos, rás-parta o maldito Bonifácio”.
A esposa Augusta, sempre atarefada com os múltiplos afazeres domésticos, há muito tempo que deitara o assunto p’ra trás das costas. “Quero lá saber, era só o que faltava andar-me a “ralar” com tal fantochada”.
A Lucialina, a Maria Manuela e a Maria Helena acirravam o irmão António, mal lhe deitavam a vista em cima: “Que se deixasse de tanta gabarolice, seria quase um milagre se tivesse a sorte de apanhar o Bonifácio no meio de milhares de pessoas ávidas de arrebanhar os dois contitos de réis. Tem juízo na cachimónia”.
E António começou a dar indícios de algum desânimo e já andava a murmurar pelos cantos: “Se ao menos o grande safado do Bonifácio resolvesse descer aqui pertinho”.
Enervado, enfiou-se na cama e, algo obcecado com o Bonifácio, tentou dormir…
[Continua]
***** O autor rejeita as normas do Novo Acordo Ortográfico.
NOTAS:
(1)- Texto inserido no "Diário de Notícias" no dia 9 de Junho de 1939 anunciando a sua vinda a Lisboa.
“Bonifácio é infatigável. Anteontem, telegrafou-nos de Paris, pois, através do nosso colega vespertino, a ”Noite”, vimos com espanto que se encontrava ontem, mesmo, em Luxemburgo, na metrópole dos brinquedos. A hora avançada da noite, recebemos novo telegrama do Bonifácio. No que ele nos diz e ordena aí vai um breve resumo”.
“Bonifácio chega por toda a próxima semana, A necessidade de preparar a bagagem impede-o ainda, contra seu desejo, de indicar o dia certo da chegada a Lisboa. E, torna a insistir. No sábado somente poderá informar-nos”.
“Pretende Bonifácio que a notícia do seu aparecimento seja motivo de júbilo e, por isso, quer que façamos espalhar no próximo domingo por todos os bairros de Lisboa prospectos/programas anunciando a feliz nova”.
“Mas, sempre o mesmo, este Bonifácio, pretende ele que a difusão da notícia provoque um verdadeiro entusiasmo. E, por isso, propôs-nos que alguns desses programas, dezenas e dezenas, sejam numerados a vermelho. E cada um destes dará direito a um prémio pecuniário”.
“Aqui está o que ordena o Bonifácio e que vamos esforçar-nos por cumprir. O público de Lisboa fica, porém, certo de uma coisa, é que dos papelinhos espalhados anunciando a chegada do Bonifácio alguns, os numerados, valem dinheiro que é a primeira oferta do Bonifácio”.
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