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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O dono da Farmácia União (Manoel d’Almeida e Sousa)




O dono da Farmácia União
(Manoel d’Almeida e Sousa)

“Jogador de pau” ou campeão de Luta Greco-Romana?


Figuras de Benfica (7)


(por Fausto Castelhano)



Manoel d’Almeida e Sousa, o dono da Farmácia União.
(Foto gentilmente cedida pela família de Almeida e Sousa)




Os anos, paulatinamente, rolaram, rolaram e, pouco a pouco foram varrendo da memória das gentes da Freguesia de Benfica, os sítios que nos deixaram gratas e profundas recordações e os episódios que ao longo do tempo marcaram, indelevelmente, não só a urbe mas também, tantos e tantos cidadãos que deram corpo e alma à comunidade onde estavam integrados… E, se porventura e felizmente, alguns registos fidedignos ficaram retidos na memória colectiva das suas populações, quer através de relatos orais, quer inscritos em páginas de jornal ou livro, folheto, revista ou num qualquer suporte técnico de gravação de som e imagem, muitas outras ocorrências dignas de menção acabaram por se perder de modo irremediável ou então, emergem algo deturpadas por lacunas ou imprecisões, desconhecimento total ou parcial dos factos e acontecimentos e, quantas vezes, sofrendo um qualquer oportuno apagão! Propositadamente… ou não! E, como diz o povo, quem conta um conto acrescenta, logo de seguida, um ponto e, sendo assim, quanta verdade insofismável não irá, mais tarde, passar à História dos povos como simples arremedo do que realmente aconteceu…



Lá está a Farmácia União na Estrada de Benfica, 592 e 594. No piso superior, com varanda, vivia Manoel d’Almeida e Sousa e família, a Sra. Dª. Belmira e a filha única, a Sra. Dª. Maria Leonor .
(Foto de Augusto de Jesus Fernandes, 1961 - in Arquivo Municipal de Lisboa)



Quem, nos dias de hoje e na Freguesia de Benfica, se recorda onde se localizavam o célebre Café Marijú ou a pujante Metalúrgica de Bemfica, a conceituada Fábrica de Pregos “Sópregos” de Ludgero Alvarez ou o antigo Patronato Paroquial da Freguesia de Benfica, a Garagem Bemficauto ou o belíssimo palácio do Visconde de Baena, o Café Paraíso de Benfica (uma referência incontornável) ou a Foto Águia d’Ouro onde a Alice Lisboa (a “Beca”, irmã do hoquista internacional José Lisboa) ajeitava o cliente p’rá posição ideal e, focando a objectiva da máquina e o projector luminoso, arrancava belas fotografias?
E a excelente padaria Panificação do Sul ou o vetusto coreto da Sociedade Filarmónica Euterpe de Benfica, o edifício da Cozinha dos Pobres da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mais conhecida pela Sopa do Barroso ou Sopa do Sidónio ou a taberna/carvoaria do ti’Alfredo? Quais os locais onde estavam instalados? E por onde corria o nosso rio, a chamada Ribeira de Alcântara? Será que existem registos do percurso da antiquíssima linha d’água e do seu posterior encanamento?



A Estrada de Benfica, 580 a 600 e o prédio da Farmácia União, 592 e 594.
(Foto de Augusto de Jesus Fernandes, 1967 - in Arquivo Municipal de Lisboa)



E que tal o alvoroço causado pela formidável carga policial em plena campanha eleitoral do General Humberto Delgado, sobre crentes e não crentes à saída da missa das 19.00 horas numa tarde soalheira do mês de Maio de 1958 e onde, aos gritos e clamores de cortar o coração das aterradas vítimas se sobrepôs, em grande estilo, a destemida ousadia do padre Álvaro Proença, o prior da Paróquia de Benfica? Lesto, saltou p’ró epicentro do reboliço e, avançando de peito aberto, enfrentou a polícia protestando, energicamente, contra a injustificada e violenta repressão sobre o povo indefeso… E o maralhal ao redor da confusão, curioso e ao mesmo tempo perplexo pelo inusitado burburinho assistia, fortemente indignado, a cena verdadeiramente selvática…Passados que foram tantos anos, quem se recorda do turbulento desacato?



A remodelação da Estrada de Benfica junto à Farmácia União em 1976.
(Foto gentilmente cedida por António Ribeiro de Almeida)



E certamente, ninguém se lembrará do impressionante e pesaroso recolhimento da população aquando da passagem do funeral do Padre Cruz pela Rua Cláudio Nunes a caminho do Cemitério de Benfica ou, então, à visita do Arcebispo de Mitilene que presidiu à espampanante cerimónia da Comunhão Solene e Crisma dos meninos e meninas no memorável domingo 3 de Maio do ano de 1951…
O Lar do Jogador do S.L. e Benfica e os seus famosos futebolistas alojados num edifício da Quinta das Pedralvas no tempo do célebre orientador técnico brasileiro Otto Glória; o Campo Francisco Lázaro e o Ringue Fernando Adrião; os concorridos Torneios de Cavalhadas na Quinta da Granja de Cima (com entrada pelo portão da Estrada do Poço do Chão junto ao poço e chafariz de água desagradavelmente salobra); a sinistra Árvore do Enforcado, um frondoso freixo encostado ao muro do cemitério num soturno e temeroso recanto da Estrada Militar e onde, exactamente no funesto local, cidadãos desesperados aproveitavam p’ra colocar corda à volta do pescoço e aí, num ápice e a sós com os pensamentos mais íntimos, dependuravam-se no espaço! Esperneavam, esperneavam um pedacito e… pronto! Esticavam o pernil…A notícia corria depressa e o povoléu acorria ao local… Lembram-se?



A Metalúrgica de Bemfica na Estrada das Garridas. O rio (Ribeira de Alcântara) separava o recinto de jogos do Clube Futebol Benfica (Campo Francisco Lázaro) da Metalúrgica de Bemfica.
(Foto de Artur Goulart - in Arquivo Municipal de Lisboa)



Um mundo que desapareceu na sofreguidão insaciável e demolidora do camartelo nas décadas de 50 e 60 do século XX para dar lugar a um outro universo totalmente diferente… Melhor? Pior?
Depois, vão surgindo, já um pouco difusas pelo desfiar dos anos, os rostos d’uma infinidade de individualidades que deixaram uma indelével saudade e marcaram, também, uma época inesquecível na nossa terra… Porém, muitos outros vão caindo, inexoravelmente e aos poucos, no mais total esquecimento: D. José Blanc de Portugal, poeta e crítico musical, homem de extrema simplicidade e que, por mero acaso, foi nosso vizinho na Estrada do Poço do Chão e, mais tarde, na Estrada dos Arneiros; Ludgero Alvarez, o proprietário da Fábrica de Pregos "Sópregos"; Guerreiro Galla, um ricaço de topo e dono da bela Quinta das Palmeiras e o Capitão Santos Romão, o Presidente da Federação Portuguesa de Hóquei em Patins.



O coreto da Sociedade Filarmónica Euterpe de Benfica no adro poente da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica.
(Foto Wikipédia)



Outros, de quando em vez são relembrados: os inesquecíveis manos Serpa e hoquistas de nomeada (Rodolfo, Olivério e Sidónio) ou o estupendo guarda-redes do Clube Futebol Benfica, Aníbal de Oliveira (irmão do guarda-redes internacional do Atlético Clube de Portugal, Ernesto de Oliveira).
Os valorosos campeões de Hóquei em Patins, José Lisboa, Cruzeiro, Perdigão, Álvaro Lopes, Mário Lopes, o “Marita”, etc. O Torcato Ferreira, jogador e treinador de Hóquei em Patins, um homem de visão apurada que lançou, em hora extremamente feliz e no mundo do “Hóquei sobre rodas”, o fenomenal António Livramento! Mais tarde, Torcato Fereira alcandorava-se a brilhante seleccionador nacional da modalidade! Aliás, António Livramento e após o findar da sua excepcional carreira de jogador seria, também, distinto treinador e seleccionador da equipa nacional de Hóquei em Patins e com enormíssimo sucesso…
Ah! A Sra. Dª. Germana, a bela grega que todos admiravam pela impecável postura e incomparável beleza... Era a esposa de Jorge Marques, filho do dr. Marques e este, sim, é que era o dono da Farmácia Marques…



D. José Blanc de Portugal, poeta e crítico musical.
(Foto Wikipédia)



O “Passarinho Moni”… Personagem típica da Freguesia de Benfica, extremamente respeitado e acarinhado pela população local… Um mestre na sofisticada arte de “armar ao ramo” (com “visco”) na Quinta do Charquinho ou na Quinta do Sarmento (Quinta do Bom Nome). Com extrema paciência e invulgar saber, ensinou o meu irmão Carlos na função que dominava como poucos e colocou-o a par de todos os segredos e truques da difícil especialidade em que era mestre consumado… E assim, com o ardiloso sistema onde imperava, acima de tudo, a perseverança e a artimanha, caçavam verdilhões, milheirinhas, pintassilgos ou tentilhões!



A Selecção Portuguesa que conquistou o 1º. Título Mundial de Hóquei em Patins em 1947. Em cima: Sidónio Serpa, Jesus Correia, Cipriano, Olivério Serpa e Álvaro Lopes.
Em baixo: Correia dos Santos e José Prazeres - Treinador e Seleccionador Nacional.
(Foto Wikipédia)



“Passarinho Moni” possuía uma característica bastante singular: transportava na mão, sempre e com mil cuidados, uma gaiola tapada com um pano branco ocultando, no seu interior, um tentilhão que lhe servia de chamariz no mister em que se tornou exímio: “passarinheiro de armar ao ramo”… Jamais pisou a linha dos carros eléctricos da Carris: esticava as pernas e, alargando a passada, em meia dúzia de lanços transpunha a Estrada de Benfica d’um passeio ao outro! A quem assistia tornava-se um momento de silêncio e de extrema emoção! Uma imensa saudade que não se esvaiu com o tempo… Até um dia …“Passarinho Moni”!
E a célebre Alice Gorjão? Quem se lembra? Claro, a vendedeira de fruta e hortaliça que, no desfile das Marchas Populares pela Avenida da Liberdade abaixo na noite de Santo António, ajaezada no característico trajo de saloia, mostrava toda a extensão da sua garridice… Fazendo gala em montar no burro que se tornou, também ele, indelével tradição da própria Marcha de Benfica, a carismática Alice lá ia, distribuindo acenos e sorrisos pela multidão apinhada nos passeios laterais da Avenida causando, sempre, desmedida sensação! Hoje, os burros foram proibidos no desfile na Avenida e a Alice Gorjão… há muito que desapareceu do nosso convívio e partiu deste mundo…



Torcato Ferreira, o grande mestre do Hóquei em Patins.
(Foto Wikipédia)



O Sr. Manuel Madureira, dono do Café Paraíso de Benfica e do Café Marijú, um bom amigo que muito estimávamos e que, a contento de todos os convidados à cerimónia do enlace, serviu o “copo- d’água” no meu primeiro casamento! Quanto ao meu irmão Carlos Alberto (o “Calminhas”) ignoro se, na realidade, teria acertado contas com o Sr. Madureira a propósito da reparação do taco de bilhar com que rachou a cachola ao Joãozinho no Café Marijú e o enviou, directamente e de urgência, p’ró Hospital de S. José!
O Sr. Vicente Caleya Ribeiro, cidadão distintíssimo e indefectível amigo de todas as horas do Clube Futebol Benfica, o seu clube do coração e onde, durante largos anos, exerceu o cargo de dirigente desportivo de altíssimo destaque…



António Augusto Pereira, o "António da Farmácia" em 1944.
(Documento gentilmente cedido por António Pereira)



António Augusto Pereira, o “António da Farmácia”, que já dobrou os 80 anos, companheirão e amigalhaço de longa data, mas onde a férrea amizade continua intacta e se fortalece a cada dia que passa… Possui extraordinária e fresca memória e transporta no alforje um rol inesgotável de histórias fabulosas ocorridas na Freguesia de Benfica… E, claro está, dignas de serem ouvidas atentamente e registadas e, se possível, à volta d’um petisco e numa roda de amigos… Aí, sim! Jamais nos cansaremos de escutar, embevecidos, as mirabolantes maravilhas acontecidas na nossa comunidade…
Ajudante de Farmácia e fervoroso lampião dos quatro costados desempenhou, durante um ror de anos, vários cargos de dirigente do seu clube de sempre: o Sport Lisboa e Benfica…



António Pereira, o "António da Farmácia", dirigente um ror de anos do seu clube de sempre: o Sport Lisboa e Benfica.
(Documento gentilmente cedido por António Pereira)



Dotado de pontaria afinada, foi caçador emérito em caçadas memoráveis no país e na estranja tendo, a minha pessoa e amiúde, sido obsequiado, generosamente, com magníficas e saborosas peças de caça de alto quilate: pombos bravos, lebres, patos bravos, coelho bravo, tordos e, num certo dia, dois faisões…
Enquanto jovem, armava aos pássaros utilizando ratoeira e “formiga de asa” na Quinta do Sarmento ou na Quinta do Charquinho todavia, o seu local predilecto e onde a caça se apresentava mais apetecível (e não se espantem!) era junto às sepulturas no interior do Cemitério de Benfica por onde se enfiava, esgueirando-se por um dos buracos de escoamento de águas pluviais existentes no muro da Quinta das Tabuletas que deitava p’rá Quinta do Sarmento…



Manoel d’Almeida e Sousa - 1934.
(Foto cedida gentilmente pela família de Almeida e Sousa)



Os covais revolvidos pelos enterramentos dos cadáveres ou exumação das ossadas seriam, de facto, a oportunidade de um belo manjar p’rós bandos de pardais que ali esgravatavam a terra fresca à cata de minhocas e outras bichezas… O "António da Farmácia", perspicaz, topou-lhes a manha e… não falhava… Aviava-se bem! E, sem sombra de contestação, passarinhos fritos têm-se revelado, ao longo dos tempos, apetitosos acepipes altamente apreciados!
E, se é verdade que o António Pereira, longos anos de dedicação à Farmácia Sousa (1), não chegava p’rás encomendas na eficiência com que aplicava injecções intravenosas e intra-musculares a meio mundo da Freguesia de Benfica e arredores… a restante clientela aguentava sem pestanejar, que remédio, as picadelas certeiras com que o sr. Manoel d’Almeida e Sousa (o dono da Farmácia União) e a esposa, a Sra. Dª. Belmira, sempre muito atenciosos e prestáveis, atendiam os pacientes que deles necessitavam…



O fascínio pelo mar de Manoel d’Almeida e Sousa! Pescaria em pleno rio Tejo com um grupo de amigos.
É o terceiro a contar da esquerda (1935).
Foto cedida gentilmente pela família de Almeida e Sousa)



E, embora sejam escassas as referências sobre figuras que nasceram, viveram ou que se tornaram notadas na Freguesia de Benfica, uma das freguesias emblemáticas do chamado Termo de Lisboa, encontramos um pequeno lote dessas personagens inseridas no texto Elogio do Subúrbio de António Lobo Antunes e, entre outras vultos sobejamente conhecidos, surge, então, a referência ao dono da Farmácia União, precisamente, uma das individualidades que, felizmente, não foi totalmente olvidada, não obstante e no texto em que é aludido, seja recordado de um modo bastante infeliz, senão mesmo, absurdo…



Almeida e Sousa a preparar os apetrechos de pesca para mais uma pescaria (1935).
Foto gentilmente cedida pela família de Almeida e Sousa)



Ao trazer a terreiro o dono da Farmácia União e salientá-lo como mero jogador de pau, modalidade que não consta no seu riquíssimo currículo e nem sequer encaixa no seu perfil, o autor em questão incorreu numa grosseira falsidade do tamanho da “légua da Póvoa”…



Manoel d’Almeida e Sousa e o famoso Ford Prefect de que muito se orgulhava.
(Foto cedida gentilmente pela família de Manoel d’Almeida e Sousa)



Os familiares e amigos de Manoel d’Almeida e Sousa nunca se conformaram com o insólito atrevimento com que A.L. Antunes caracterizou o dono da Farmácia União! Face à notória parvoeira, os seus familiares melindraram-se e deploraram a desastrada afronta e os amigos “foram aos arames” ante o lamentável dislate!
Com efeito, a ideia peregrina de retratar o nosso amigo Manoel d’Almeida e Sousa de forma tão leviana, além de pouco abonatória, permanece como um mistério insondável… Aonde se teria alicerçado A.L. Antunes p’ra botar no papel uma tal invencionice? Fruto do acaso ou imaginação fertilíssima?
E cá está como a História pode ser adulterada por desconhecimento de pessoas e factos e configura, alem do mais, uma certa desonestidade para com as gentes da Freguesia de Benfica e da memória colectiva da comunidade levando-as, objectivamente, ao mais puro engano face a informação absolutamente errónea…



Férias em Santo António da Caparica na casa de praia de Manoel d’Almeida e Sousa.
Maria Helena com 17 meses (Julho de 1967).
(Foto de Fausto Castelhano)



"O dono da Farmácia União jogava o pau, a esposa do proprietário da Farmácia Marques era uma grega sumptuosa de nádegas de ânfora e pupilas acesas, que me fazia esquecer a mulher do Sandokan ao vê-la aos domingos a caminho da igreja, o sineiro a quem chamavam Zé Martelo e que tocava o Papagaio."

Mas, já vai sendo tempo de levantar o véu e dar a conhecer o dono da Farmácia União: Manoel d’Almeida e Sousa, a quem rendo sincera homenagem ao dedicado amigo que tivemos a felicidade de conhecer e conviver desde os primórdios da década de 50 do século XX quando, inesperadamente, um nosso familiar adoeceu gravemente…



Férias em Santo António da Caparica na casa de Almeida e Sousa.
Maria Helena aos 17 meses com a avó materna Maria José (Julho de 1967).
(Foto de Fausto Castelhano)



Cidadão prestigiado e de insofismável estatura cívica e humana da Freguesia de Benfica, Manoel d’Almeida e Sousa nasceu na cidade de Elvas a 4 de Março de 1894… Homem afável e generoso, prestou serviços relevantes na área de enfermagem e sempre, sempre com impecável competência técnica… Vários atletas do Clube Futebol Benfica recorriam aos seus serviços, graciosamente e procedia, de modo idêntico, em relação às pessoas de recursos limitados e que a ele recorriam frequentemente…
Exercia funções de enfermagem na Cruz Vermelha Portuguesa, tanto no posto do Largo do Calvário, como na delegação do Terreiro do Paço onde era muito acarinhado angariando, à sua volta, inúmeros amigos, sobretudo entre os comerciantes que operavam no antigo Mercado da Ribeira…
Fascinado pelo mar, Almeida e Sousa conseguiu, após demoradas diligências com entidades oficiais, que a Administração do Porto de Lisboa lhe concedesse uma pequena parcela da duna contígua ao areal da Margem Sul entre a Trafaria e a antiga praia da Cova do Vapor: Santo António da Caparica… Mediante, claro está, o pagamento de renda anual devidamente estipulada…



Férias em Santo António da Caparica na casa de praia de Manoel d’Almeida e Sousa.
Maria Helena com 17 meses nas escadinhas de acesso ao areal (Julho de 1967).
(Foto de Fausto Castelhano)



Sítio verdadeiramente privilegiado, Almeida e Sousa resolveu, no início da década de 30 do século XX, construir uma típica moradia de veraneio em madeira alicerçada com colunas de cimento armado! Cave composta de várias divisões, cozinha e poço; quartos de dormir, cozinha e sala de jantar no piso superior; o sótão, espaçoso e munido de clarabóias no telhado era, para mim, um excepcional quarto de dormir! Varandim em madeira e, nas traseiras, pequena escada de acesso directo ao areal… A água distava cerca de 30 metros…



Manoel d’Almeida e Sousa em 1923, estupendo jogador de futebol do CIF - Clube Internacional de Futebol. (Foto cedida gentilmente pela família de Almeida e Sousa)



Almeida e Sousa obteve carta de marear, adquiriu barco e todos os apetrechos inerentes à faina da pesca… e não faltaram as fartas pescarias com amigos ou familiares… Mão certeira p’rá cozinha: célebres as caldeiradas de peixe e os ensopados de borrego regados a vinhos de qualidade…




Manoel d’Almeida e Sousa, sócio e nadador de grande fôlego do Grupo Sport Cruz Quebradense - 10 de Abril de 1931.
(Documento cedido gentilmente pela família de Almeida e Sousa)



Na manutenção da casa de praia e logo que a Primavera se fazia anunciar, Almeida e Sousa recorria ao auxílio dos amigos os quais e de bom grado, participavam em todas as tarefas necessárias ao bom andamento dos trabalhos… Recompensados e nem outra cousa seria de esperar, através de lautos almoços e jantares…
Viagem a partir de Benfica no Ford Prefect, automóvel de que muito se orgulhava (2), até ao Cais Fluvial de Belém e estacionamento do carro no parque adjacente, ainda grátis… Embarque no cacilheiro até à Trafaria e, na praia-mar, a viagem era completada na camioneta da carreira até Santo António da Caparica. Algumas dezenas de metros pelo pinhal e chegávamos ao nosso destino: o Pica-galo como fora baptizado… Na baixa-mar o caso mudava completamente de figura! O trajecto fazia-se a butes ao longo do areal… Um pedação! Era assim! Realmente, um convívio bastante saudável onde imperava a pura e sã camaradagem, mas onde se trabalhava no duro pelo profundo afecto que todos dedicavam ao amigo e companheiro de excepção Almeida e Sousa!



Manoel d’Almeida e Sousa (o segundo na primeira fila), treinador da equipa de Luta Greco-romana do Ginásio Clube Português na década de 40 do século XX.
(Foto gentilmente cedida pelos familiares de Almeida e Sousa)



No mês de Julho de 1967 alugámos a casa de praia a Almeida e Sousa e de facto, fruímos de belíssimas férias e onde o sol e a magnífica temperatura contribuíram, grandemente, para que tal nos enchesse de insuperável satisfação…
Durante longuíssimos anos, Manoel d’Almeida e Sousa revelou-se um desportista verdadeiramente ecléctico e de invulgares atributos: futebolista estupendo no CIF (Clube Internacional de Futebol) onde praticou a modalidade na década de 20 do século passado e, na década de 30, alinhando pelo Sport Clube Cruz Quebradense, evidenciou-se como pujante nadador de longa distância! O seu fôlego inesgotável destacava-se nas provas onde competia…



Manoel d’Almeida e Sousa, um grande campeão de Luta Greco-romana na festa de homenagem promovida pelo seu clube: o Ginásio Clube Português.
(Foto gentilmente cedida pelos familiares de Almeida e Sousa)



Porém, representando o consagrado Ginásio Clube Português, foi na modalidade de Luta Greco-romana (3) que Manoel d’Almeida e Sousa sobressaiu, sobremaneira, como atleta de craveira superior de âmbito nacional onde alcançou altíssimas performances!
Mais tarde e como conceituado treinador de méritos firmados, orientou os atletas que compunham a equipa de Luta Greco-romana do Ginásio Clube Português.
No culminar de insuperável e brilhante carreira como atleta e treinador, o Ginásio Clube Português promoveu uma justíssima e bonita festa de homenagem a Manoel d’Almeida e Sousa…



Uma das últimas fotos de Manoel d’Almeida e Sousa (por detrás do noivo) no casamento do nosso sobrinho, Fernando Castelhano Monteiro, em 21 de Março de 1976.
(Foto cedida pela família de Almeida e Sousa)


Manoel de A’Almeida e Sousa e Maria Manuela Castelhano no casamento de Fernando Castelhano Monteiro e Emília.
(Foto gentilmente cedida pela família de Almeida e Sousa)



Manoel d'Almeida e Sousa, ilustre cidadão da Freguesia de Benfica, faleceu no dia 4 de Abril de 1979 com a idade de 85 anos.
A Farmácia União continuou na posse da família de Almeida e Sousa durante alguns anos sob a gerência da esposa, Sra. Dª. Belmira e da filha, a Sra. Dª. Leonor. Mais tarde, mudou de mãos e hoje, os proprietários são outros. O visual exterior da Farmácia União alterou-se e as portas e janelas em madeira foram substituídas por outros materiais, nomeadamente, alumínio! O reclamo, luminoso, todo catita, chama a atenção do cliente!



Estrada de Benfica, 592 e 594 - o novo visual da Farmácia União.
(Foto de Fausto Castelhano - 2011)



No interior, armários, vitrinas e balcão em madeira pintada de branco e que lhe davam um certo cariz que nos encantava, já não existem! O estabelecimento, acompanhando os novos tempos, modernizou-se e é semelhante a qualquer outro do ramo: insípido!



Estrada de Benfica, 592 e 594 - a Farmácia União e o letreiro luminoso, modernaço…
(Foto de Fausto Castelhano - 2011)



Evocar condignamente a memória do amigo e cidadão exemplar Manoel d'Almeida e Sousa tal como ele a merece e que à muito lhe era devida foi a nossa preocupação original… Com os elementos disponíveis, afincada pesquisa e tendo por meta a objectividade e o rigor, creio que chegámos a bom porto além de corrigir, claro está, uma atoarda absolutamente descabida que lhe é dirigida no texto de A.L. Antunes… Colocar as coisas no seu devido lugar, isto é, “dar o seu a seu dono” foi um óptimo exercício que nos satisfez plenamente e perpetua, aos vindouros da nossa comunidade, a memória de um vulto de invulgares qualidades…



Manoel de Almeida e Sousa, o dono da Farmácia União em 1973.
(Foto gentilmente cedida pela família de Almeida e Sousa)



"Jogador de pau", como atributo principal do dono da Farmácia União é, com efeito, demasiado escasso para a dimensão da saudosa e emérita personagem que foi Manoel d’Almeida e Sousa, figura grada que muito enobreceu a Freguesia de Benfica!





NOTAS


(1)- A Farmácia Sousa estava localizada no Calhariz de Benfica, isto é, na Estrada de Benfica junto à antiga Esquadra da PSP - Polícia de Segurança Pública. O proprietário de Farmácia Sousa e, também, das Farmácias União de Marinhais e União de Benfica, era o Sr. José Pereira de Sousa Júnior o qual, na década de 30 do século passado, a vendeu ao Sr. Manoel d’Almeida e Sousa.
No 1º andar do prédio onde se localizava a antiga Esquadra da PSP, estava instalado o consultório do conhecido médico Dr. Diamantino Lopes.

(2)– Os automóveis Ford Prefect foram construídos pela Ford Motor Company entre 1938 e 1961.

(3)- A Luta Greco-romana note-se, está presente desde os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896…




Agosto de 2011
Fausto Castelhano








4 comentários:

  1. Eu também levei algumas injecções dadas pelo Sr. Almeida, boa pessoa e sempre disponível!
    E, quem se lembra de:
    - da drogaria do Sr. Júlio;
    - da Peixaria que se descia uns degraus da "Menina Olívia e da Menina Deonilde";
    - da pensão "hotel da barafunda" Est. de Benfica, 639-1º e também neste prédio;
    - da loja de pantufos e chinelos do Sr. Mané Mané que a mulher tinha as pálpebras reviradas;
    - da mercearia do Sr. Sá:
    - da loja de máquinas de costura Singer, etc....
    Recordar é viver!

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  2. Mais uma excelente reportagem do amigo Fausto. Que memórias boas.
    Um abraço
    Luís

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  3. Belo trabalho este Castelhano. És uma verdadeira enciclopédia sobre Benfica. Conheci as pessoas, as ruas, os factos, quase tudo o que aqui descreves. É daqueles documentos, posso dizer assim, para quem se interesse pela história de Benfica que podia recolher este importante apontamento. Já agora, fico satisfeito e orgulhoso também por ver aqui algumas referências ao Futebol Benfica e a personalidades a ele ligadas, tanto mais que os ventos hoje sopram ao contrário, ou seja pessoas com responsabilidades se conhecessem um pouco da história do Futebol Benfica tinham outro tipo de actuação e comportamento, mas isto também é efeito da troika. Parabéns Castelhano, por mais este belo momento de Benfica.

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  4. Não conhecendo nem pouco mais ou menos benfica ,como o amigo que fez este historial da Freguesia de Benfica à longos anos é de reconhecer que o mesmo está bem feito acompanhado de fotos que clarificam e justificam a verdade dos factos e não como outras pessoas que deitam os foguetes ,apanham as canas e fazem a festa ,sem justificar a verdade dos factos.
    Os meus parabéns ao autor deste trabalho magnifico.

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