segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O "Paraíso de Benfica"





Para gáudio de muitos leitores e fãs, aqui vos deixamos hoje uma verdadeira relíquia...



Fotografia do Arquivo Mário Novais

(disponível na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian)




Via Helena Águas (que é uma verdadeira detective nisto de descobrir fotos antigas).

Muito obrigada!




9 comentários:

DOMINGOS ESTANISLAU disse...

Ao fundo dos prédios onde se situa o Paraiso de Benfica vê-se umas colunas que suportam portões. É a entrada do antigo campo do FUTEBOL BENFICA, o campo Francisco Lázaro. Onde o Clube viveu grandes tardes de glória no Futebol e noites no Hóquei em Patins.
Vi muitos jogos de hóquei patins nas escadas de ferro (escadas de serviço) nos prédios da Grão Vasco cujo trazeiras davam para o campo do FOFÓ, umas vez que os mais pequenos não podiam assistir aos jogos da noite.

J A disse...

Uma boa surpresa !!!! Agora só falta uma ou duas lá dentro...:-)

Portanto esta fotgrafia será da década de 40 ?

DOMINGOS ESTANISLAU disse...

Da decada de 40 não creio, é recuar muito no tempo. Tenho a certeza, isso sim,que a fotografia se refere aí aos anos 60. Mas é natural que o Paraiso venha da decada de 40.

domingos estanislau disse...

Da decada de 40 não creio, é recuar muito no tempo. Tenho a certeza, isso sim,que a fotografia se refere aí aos anos 60. Mas é natural que o Paraiso venha da decada de 40.

Fausto disse...

Olá Lau

Podes mesmo ter a certeza que o Café Paraíso já existia, pelo menos, desde a década de 40.
Quanto às escadas de ferro das traseiras dos prédios da Av. Grão Vasco, sim senhor! Ficavam encostadas ao ringue Fernando Adrião, mas localizadas junto à baliza do lado sul. Eu próprio, também assisti a jogos empoleirado nas escadas de ferro. De resto, era um local bastante frequentado!
A baliza do lado poente do campo de futebol, ficava para lá do ringue. Porém, bom mesmo, era descer para o rio (quando levava pouca água) no gradeamento da Av. Grão Vasco e subir junto às traseiras da bancada do campo de futebol. Era arriscado (a polícia e pessoas ligadas ao clube), mas valia a pena. Era sempre à borla!
Tornei-me sócio do Clube de Futebol Benfica, bastante novo. Era o nº 698.

Um abraço de amizade

Fausto Castelhano

Fausto disse...

Olá amigos

Confirmadíssimo! Tal como o amigo Lau a identificou.
As colunas ao fundo são, de facto, as que suportavam as entradas para o campo Francisco Lázaro. A porta mais pequena, do lado esquerdo (para os espectadores); logo à direita, o portão mais largo (para as viaturas); e, ainda, uma outra porta mais pequena (semelhante à primeira) logo a seguir.
Existiam 2 postigos para venda dos bilhetes. Um à esquerda dos postões e o outro, já na Estrada de Benfica. Mas, o casinhoto onde vendiam os bilhetes, era o mesmo.

Um abraço de amizade

Fausto Castelhano

Ana Vassalo disse...

Boa tarde, Amigos
Agora, sim, fiquei extasiada! O Paraíso de Benfica tinha aquele cunho simultaneamente tradicional, como estabelecimento antigo que era, e progressista. Ali passei belos momentos em criança, pela mão do meu pai que ali se reunia com os amigos do bilhar enquanto eu aprendia com os empregados, já grandes amigos, a dobrar caixinhas para bolos - lembro-me do Senhor Rúben, por exemplo - actividade que se tornara já habitual. Mais tarde, passou a ser o ponto de encontro com os amigos aqui de Benfica e do Liceu Dom Pedro V. No mesmo local, reuniam-se diariamente e com o mesmo prazer, filhos, pais e avós, sem q alguém interferisse no espaço do Outro. São memórias bem especiais, que agora foram, felizmente, agitadas e trazidas para o presente por esta surpresa aqui no blog. Por isso é bom passar por aqui, de vez em quando.
Beijos a todos.
Ana Vassalo

impulsos disse...

O PARAÍSO



Quando eu era pequeno havia duas pastelarias em Benfica. Uma por baixo da igreja, frequentada pelo proletariado do bagaço, sempre cheia de serradura e de beatas esmagadas a que chamavam Adega dos Ossos e onde me desaconselhavam a ir no receio de que eu me viciasse funestamente na ginjinha e no Português Suava e acabasse os meus dias a jogar dominó, a perder à sueca e a tossir no lenço. Era um estabelecimento escuro, cheio de garrafas na parede, em cuja vitrine havia mais moscas que pastéis de nata. Para além das prateleiras de lombadas de garrafas, uma biblioteca de delirium tremens , lembro-me do empregado vesgo, de olho direito furibundo e esquerdo de uma benevolente ternura, e do senhor Manuel sacristão que ali descia entre duas missas, de opa vermelha, a comungar copos de três numa unção eucarística oculto por trás do frigorífico no receio do prior, todo ele severidade e botões desde o pescoço aos sapatos, e para quem o vinho, quando fora das galhetas, adquiria a demoníaca propriedade de tresmalhar as ovelhas levando-as a preterir o rosário das seis horas a favor do vício abominável da bisca.

A outra pastelaria, quase em frente da primeira, tinha o nome de Paraíso de Benfica, era frequentada a seguir à missa por senhoras de devoção inoxidável, antimagnética e à prova de bala, como por exemplo as minhas avós e as minhas tias cuja intimidade com os santos me maravilhava e que se apressaram a ensinar-me o catecismo a partir do dia em que perguntei apontando uma pagela do Espírito Santo

- Quem é este pardal?

tentando explicar-me que Deus não era pardal, era pombo, e eu imaginei-o logo na Praça de Camões a comer à mão dos reformados, o que não me parecia uma actividade muito compatível com a criação do universo.

O Paraíso era o local que as senhoras invadiam a seguir à missa e os homens durante ela.

(Quando uma prima minha, indignada, perguntou ao marido se não ía à igreja ele respondeu com um sorrisinho óbvio

- Não preciso: estou no Paraíso. É mais fresco e tem cerveja.)

Ao contrário da Adega dos Ossos cheirava bem, nenhum empregado era vesgo, proibia-se o dominó, a opa do senhor Manuel não flutuava, clandestina, por trás do frigorífico e sobretudo os meus irmãos e eu tínhamos conta a berta para bolos e sorvetes. De início achei a conta aberta uma generosidade tão tocante que quase me fez chorar de gratidão. Compreendi depois que não se tratava propriamente de generosidade: é que aos domingos almoçávamos em casa da minha avó e a oferta de gelados e bolas de Berlim destinava-se a desviar-me das nádegas rupestres da cozinheira cujos encantos eu havia começado a descobrir por essa altura. Dividido no meio de dois Paraísos igualmente celestiais hesitei meses a fio entre os duchesses e o fogão de quatro bicos.

Acabei por optar pelo fogão. Quando tempos volvidos a cozinheira se casou com um policia.

(todas as cozinheiras se casavam com policias)

E tentei refressar às bolas de Berlim, a minha avó desiludida com os meus pecados havia cancelado a conta. Desesperado, dispus-me a acompanhá-la a Fátima numa excursão de viúvas para lhe reconquistar o afecto e os bolos de arroz: nem esse sacrifício heróico a comoveu. E passei a viver numa dupla orfandade insuportável da qual nenhuma queijada nem nenhum avental se interessaram até hoje em salvar-me.



António Lobo Antunes, in "O Paraíso" - "Livro de Crónicas" (1998)

Anónimo disse...

Adorei este texto...