quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"A nossa Idade"




"O texto que aqui se publica é da autoria de um homem de grande carácter, de princípios, que muito deu ao Clube e que mais à frente se saberá melhor quem ele foi.

O próprio autor considera em determinada altura que a sua opinião sobre a fundação do Clube poderá ser polémica e, de facto, ela contraria a opinião recolhida a outras pessoas e da própria Associação de Futebol de Lisboa e até o que existe em termos de documentação e troféus no próprio Clube. De qualquer modo é interessante este escrito do Sr. Jorge Marques da Pastora, até porque existem outros também da sua autoria com muito interesse histórico que aqui também têm o seu lugar. É de facto um contributo importante e que nos ajuda a compreender melhor as épocas.


Resta acrescentar que este artigo foi publicado no Boletim do Clube em 1989. Este texto está também publicado no actual livro do clube.

Jorge Marques da Pastora (já falecido) era um profundo conhecedor da Freguesia.


Domingos Estanislau
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"A NOSSA IDADE"

Por JORGE MARQUES DA PASTORA


Estas controversas divagações, que nos parecem pertinentes no aniversário do nosso clube, ajudam a lembrar quem somos e donde viemos, ligando o passado ao presente. Por isso não deixa de ser dignificante relembrar o nosso patrono nesta data fazendo disputar uma prova de atletismo a que deu o nome de Francisco Lázaro.

Este rapaz, modesto como são todos os campeões, nascido e sepultado em Benfica, foi no seu tempo o maior maratonista português, cuja classe o distanciava dos seus competidores.
As suas marcas comparadas com as que então se faziam no estrangeiro, fizeram nascer a ideia de que ele poderia competir com os melhores de além-fronteiras.

Pensada a deslocação, organizada e subsidiada pela família (titular) dos Mascarenhas, cujos filhos eram desportistas da elite lisboeta, a deslocação foi decidida.
A notícia desse facto despertou tal entusiasmo no País, que gerou uma curiosidade enorme por tudo o que a ela dizia respeito, ao ponto de, nos treinos que Francisco Lázaro fazia de noite (o dia era para trabalhar) acompanhado por muitos ciclistas que lhe iluminavam o caminho, se juntarem ao longo do percurso pessoas vindas de todos os pontos de Lisboa para o aplaudirem e incitar.

Mas não quis o destino que a esperança fosse realidade, porque a ignorância o matou.
Alguém convencera Francisco Lázaro, que por ir correr num clima frio se deveria proteger, recobrindo o corpo com uma camada espessa de massa oleosa. Por ironia até o dia foi quente e o campeão durante o esforço baqueou.

O seu funeral foi o maior de quantos se realizaram para o Cemitério de Benfica, pois no momento em que o corpo ali dava entrada, ainda pela Estrada de Benfica se deslocava uma massa compacta de acompanhantes que se estendia estrada abaixo para além do Calhariz de Benfica.

Portanto, a disputa deste Prémio, foi um acto que dignifica os seus promotores pela simbologia que encerra, ao fazer jovens desportistas percorrer as ruas de Benfica, que o campeão tantas vezes pisou.

Por esta iniciativa, bem-haja a Direcção e os que para ela contribuíram."

3 comentários:

João disse...

Francisco Lázaro, um herói que foi realmente vítima da ignorância - garantidamente porque não teve o apoio técnico e logístico que merecia. Mas naqueles tempos o desporto era 100% amador e as coisas não eram tão levadas a sério como o são hoje. A prová-lo está um outro acontecimento nesses mesmos Jogos Olímpicos de 1912, um caso bastante caricato mas, felizmente, sem consequências trágicas.

Na mesma maratona de Estocolmo onde participou Francisco Lázaro, houve um atleta japonês (Siso Kanakuri) que desapareceu de cena depois de já ter percorrido metade da prova. Porque se sentia cansado e cheio de sede, resolveu sentar-se no jardim de uma vivenda onde se deliciou com um sumo fresco que lhe foi oferecido pelos donos da casa. Face ao tempo que já havia perdido, o bom do japonês decidiu desistir e regressar ao Japão, com a particularidade de não ter notificado a organização dessa sua decisão. Durante anos a fio, nunca mais ninguém soube do paradeiro do japonês. O mistério só viria a ser explicado algumas décadas mais tarde, já depois da II Guerra Mundial, quando o japonês resolveu revisitar Estocolmo.

Alexa disse...

João: que magnífica curiosidade que nos deixou aqui, relativamente à "ligeireza" desse atleta japonês.
A história até dá vontade de rir... não fora o facto da organização da prova, depois do que sucedeu com Lázaro, muito possivelmente, ter ficado preocupada com o destino desse japonês!

João disse...

A inocência (atrevida) que levou o japonês a regressar casa sem dizer nada a ninguém vem, ao fim e ao cabo, na linha da inocência (ignorante) que levou Francisco Lázaro a bezuntar-se com cebo. Outros tempos, outras vontades...

Claro que não estou aqui a entrar em linha de conta com uma possível vergonha incontida do japonês, que o tenha levado a tomar tal atitude. Digo isto, porque todos conhecemos as saídas mais ou menos abruptas que, por vezes, os orientais - especialmente os japoneses - escolhem para contornar a vergonha que sentem face ao insucesso. Questões relacionadas com os códigos de honra inerentes à cultura samurai...