sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Gente de Benfica - V





Em homenagem aos meus Amigos Lúcia & Zé Ribeiro,
no 41º aniversário da "Ulmeiro"... (***)




"Este espaço está na Av. do Uruguai desde 10/12/1969.
Aqui nasceu a Ulmeiro neste dia há 41 anos.
Muita água correu debaixo da ponte!
Era um dia de Outono, a cheirar a Inverno,
como o dia de hoje!

Daqui saúdo fraternalmente todas/todos amigas/amigos
que se cruzaram connosco nesta aventura!

Seja-me permitida uma palavra
para os que estiveram sempre connosco
e já não estão entre nós...
Entre tantos recordo aqui o Zeca Afonso
e o Professor Agostinho da Silva neste dia especial para nós
e reafirmo que vamos continuar com o ânimo de sempre
contra ventos e marés,
até porque é sabido que há mais marés que marinheiros."


José Antunes Ribeiro (10/12/10)




Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)



José Antunes Ribeiro, 68 anos, livreiro-editor... Há 41 anos em Benfica.

Numa longa conversa, em viagem a caminho de Marvão, é-me contada, na primeira pessoa, a história de um homem, a qual se cruza com a própria história de um bairro e de uma pequena loja de comércio tradicional (que permanece nos anais da memória devido à luta pela liberdade)...

"Benfica acabou por ser um acidente feliz", conta o Zé Ribeiro. Chegaram a Benfica quando a Av. do Uruguai ainda só tinha apenas 1 ou 2 lojas, foram dos primeiros comerciante e habitantes da rua, "inaugurámos quase o bairro", como me diz.
A "Ulmeiro" acabaria por nascer de um equívoco que, as palavras do seu amigo Alçada Baptista tão bem ajudaram a explicar, ao dizer-lhe: “Zé Ribeiro, nós fazemos livrarias porque gostamos de livros, mas eu não conheço nenhum merceeiro que tenha feito uma mercearia por gostar de feijões!”
E foi dessa contradição permanente entre o comércio e aquilo para que verdadeiramente se nasce e de que se gosta, que acabaria por nascer a "Ulmeiro".

A "Ulmeiro" com as suas acções de poesia e música... O primeiro local em Lisboa onde Mário Viegas declamou poesia, o refúgio onde Zeca Afonso encontrava guarida... por onde também passaram Carlos Paredes, Rogério Paulo e Francisco Fanhais, entre tantos outros.

A "Ulmeiro" e a edição do seu primeiro livro - "Isto anda tudo ligado", livro de poemas de Eduardo Guerra Carneiro (cujo titulo passou a ser usado como expressão corrente).

A "Ulmeiro" que era a "continuação da política, mas por outros meios", tendo as investidas da PIDE, à época, muito contribuído para dar a conhecer melhor a editora e o seu importante papel.
Desses tempos, Zé Ribeiro relembra como, em certo dia, quando a PIDE foi à "Ulmeiro", quase fechou a Av. do Uruguai, numa espécie de operação quase de comandos. Porque, em determinada altura, as apreensões que eram feitas pela PIDE "eram destinadas a inviabilizar o projecto da Ulmeiro e a sua actividade, porque como se diz 'é preciso matar o bicho para acabar com a peçonha'".

A propósito do trabalho efectuado pela PIDE, Zé Ribeiro relembra um determinado agente que, a partir de certa altura, passou a avisá-los da data em que lá iria, "e aquilo que disse é que não concordava com aquele trabalho, não estava de acordo com aquele tipo de acção"; tendo, também, informado o livreiro-editor que muitas das denúncias contra a "Ulmeiro" partiam sobretudo de alguns dos seus vizinhos.
Zé Ribeiro recorda ainda o curioso caso da apreensão de um poster onde figurava um casal de namorados, reproduzindo um poema do livro "A Criança e a Vida" (de antologia de Maria Rosa Colaço), cujo título era "O amor é um pássaro azul no alto da madrugada". "Esse poster foi aprendido, mas no fim do dia o mesmo PIDE que o levou, voltou e pediu um para oferecer à sua namorada".

Anos mais tarde, quando digere alguma desilusão política, Zé Ribeiro volta-se para a Literatura, e "(...) com 40 anos fui fazer um curso de Letras. Eu próprio tinha algumas aspirações nessa matéria".

Para além destes assuntos de gente crescida, a "Ulmeiro" ficará sempre relembrada, por toda uma geração (à data, muito miúda), como a editora dos livros infantis inovadores para a época que, então, se vivia: "Era uma vez uma ilha onde as crianças construíram a escola nova", "Como se educam os adultos".
E do "Clube Infantil Ulmeiro", onde os pais podiam deixar os seus filhos, aos sábados de manhã, a ver sessões de cinema (com uma máquina super8, ali passaram toda a selecção do Charlot); onde, mais tarde, foi até criada uma equipa de futebol apelidada de "UNICEF".

Zé Ribeiro recorda esta como uma época interessante, que acredita ter tido alguma importância no bairro.
Salienta não ser um contemplador do Passado (apesar de adorar História), mas compreende que, apesar das mudanças de nome que os tempos (e a evolução do mercado) foram ditando, as pessoas continuem ainda "muito agarradas à “Ulmeiro”, porque estão ligadas também a esse nosso Passado".

Mas Zé Ribeiro não quer "ficar a cantar as glórias do Passado. Porque o Passado não tem só glórias, tem desencontros, tem encontros… tudo isso faz parte daquilo que nós vivemos."
E, por isso mesmo, gostava que acontecesse uma espécie de renascimento. Com um sorriso na voz, como uma criança que não perdeu o entusiasmo com tudo aquilo com que sonha, Zé Ribeiro explica-me que o que gostava que acontecesse no futuro era que "aquele espaço fosse novamente um espaço que pudesse sobreviver, obviamente, no plano económico (…) mas também que voltasse a ser um lugar de referência na zona, no bairro, que voltasse às actividades culturais, que pudesse criar um programa quase permanente de actividades e integrado. E com o apoio de pessoas do bairro, porque é isso que faz sentido. (...) Acho que tudo depende das pessoas. São as pessoas que são o centro das coisas. (…) São sempre as pessoas que determinam o êxito ou o fracasso das coisas. E é, portanto, com as pessoas que nós queremos fazer alguma coisa… com as pessoas do bairro, com Benfica".

Porque "(...) a Ulmeiro foi sempre um lugar de encontros. E a riqueza vem desses encontros!", como me conta o Zé Ribeiro, relembrando, também, o caso de um senhor que, aquando da homenagem promovida pela Junta de Freguesia de Benfica nos 25 anos da "Ulmeiro", lhe dizia: - “Eu todos os dias saio de casa para ir ver a montra. Mas nunca comprei lá um livro. Aquela livraria faz parte da minha vida!”.
E Zé Ribeiro compreende muito bem esse sentimento, tendo até uma explicação para o mesmo - "Aquilo que eu costumo dizer é assim: estes espaços ajudam o Estado a poupar em anti-depressivos. Porque também ali vai muita gente, aparecem muitas pessoas para desabafar, para falar, para sair de casa naquele momento, para terem alguém com quem falar. E sempre é melhor irem ali do que à farmácia em frente!"

E é nesses encontros, nessa troca diária de que é feita a "Ulmeiro", que Zé Ribeiro fala numa pessoa muito importante, na sua vida e na loja... "(...) sobretudo a Lúcia, que passa lá em mais tempo. E nesse aspecto a loja deve bem mais a ela do que a mim próprio, que sou mais volátil, gosto mais de pensar o geral, mas, depois, a Lúcia sustenta o particular".

E, como editora que mais ligações tem com o bairro de Benfica (que aí se instalou e permanece há mais tempo), Zé Ribeiro gostava de continuar o trabalho iniciado com a publicação do livro do Padre Álvaro Proença - “Benfica através dos Tempos”, actualizando toda essa informação sobre Benfica. "E participar em projectos que possam surgir relacionados com Benfica. E, portanto, estaremos sempre disponíveis para fazer esse trabalho."



Entrevista realizada no âmbito do Projecto "Gente de Benfica"
(todos os direitos de utilização reservados em nome do entrevistado - José Antunes Ribeiro - e da antropóloga responsável pelo projecto - Alexandra Carvalho).

Ouvir esta entrevista na íntegra, clicando no vídeo abaixo.





Vídeo e Fotografias de Alexandra Carvalho (2009/10)
Entrevista realizada a 26/02/10

[reproduzir o vídeo para ouvir a entrevista]






(***) Fazendo votos para que, depois da nova vida (e ânimo) que vos fizeram ganhar em 2009, estes 41 anos que hoje festejam sejam o (bom) augúrio para que, em 2011, a Fénix renasça! :)






2 comentários:

Jorge Resende disse...

O Sr. Ribeiro é o Homem ideal para se lançar em prol da população de Benfoca na publicação dos artigos do amigo Castelhano com que tem presenteado o seu blog, Alexandra! Beijos da Madeira, parabéns à família Ribeiro pela persistência!
Jorge Resende

Alexa disse...

Amigo Jorge,
Devemos te tido transmissão de pensamento ;)

Abraço