quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dia da Espiga




(por Alexandra Carvalho)






Fotografias de Alexandra Carvalho (2010)



O Sr. António Cortez tem uma horta "ali para os lados do Colégio Militar, um pouco antes de chegar ao Colombo", como me explica.

Levantou-se bem cedo esta manhã, para conseguir um dos melhores pontos para a sua venda, mesmo em frente à Igreja de Benfica, junto ao quiosque de jornais.

Cada raminho a 1€ e as vendas correm de feição. "Se tivesse trazido mais, ao fim do dia não sobrava nenhuma, pode crer!", explica-me.

E as pessoas passam, param e escolhem... miram e remiram... e não se contentam com o primeiro ramo que o Sr. Cortez lhes propõe e continuam a mexer e remexer, procurando o "melhorzito, que tenha tudo" e lhes traga algo de bom para todo o ano.

O Sr. Cortez sorri quando lhe peço para tirar uma foto e diz-me que com sol seria melhor, que "hoje o dia não está famoso".




Fotografias de Alexandra Carvalho (2010)




Quarenta dias depois da Páscoa, na quinta feira de Ascensão, festeja-se o Dia da Espiga.

A origem deste dia é, contudo, muito anterior à era cristã. Este dia é um herdeiro directo de rituais pagãos, realizados durante séculos, por todo o mundo mediterrâneo, em que grandiosos festivais, de intensos cantares e danças, celebravam a Primavera e consagravam a natureza.
Para os povos arcaicos, esta data, tal como todos os momentos de transição, era mágica e de sublime importância. Nela se exortava o eclodir da vida vegetal e animal, após a letargia dos meses frios, e a esperança nas novas colheitas. Crê-se que esta celebração tenha origem nas antigas tradições pagãs e esteja ligada à tradição dos Maios e das Maias.

A Igreja de Roma, à semelhança do que fez com outras festas ancestrais pagãs, cristianiza depois a data e esta atravessa os tempos com uma dupla acepção: como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando, como o nome indica, a ascensão de Jesus ao Céu, ao fim de 40 dias; e como Dia da Espiga, ou Quinta-feira da Espiga, esta traduzindo aspectos e crenças não religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.

O Dia da Espiga celebrava-se, noutros tempos, com um passeio matinal, em que se colhiam espigas de vários cereais, flores campestres e raminhos de oliveira para formar um ramo, a que se chama de espiga.
Segundo a tradição o ramo deve ser colocado por detrás da porta de entrada, e só deve ser substituído por um novo no dia da espiga do ano seguinte. Traz(ia) abastança, sorte e saúde aos donos da morada.

As várias plantas que compõem a espiga têm um valor simbólico profano e um valor religioso.
A simbologia por detrás das plantas que formam o ramo de espiga:

* Espiga – pão;
* Malmequer – ouro e prata;
* Papoila – amor e vida;
* Oliveira – azeite e paz;
* Videira – vinho e alegria e
* Alecrim – saúde e força.


O dia da espiga era também o "dia da hora" e considerado "o dia mais santo do ano", um dia em que não se devia trabalhar. Era chamado o dia da hora porque havia uma hora, o meio-dia, em que em que tudo parava, "as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão não leveda e as folhas se cruzam". Era nessa hora que se colhiam as plantas para fazer o ramo da espiga e também se colhiam as ervas medicinais. Em dias de trovoadas queimava-se um pouco da espiga no fogo da lareira para afastar os raios. ***






*** Bibliografia utilizada:

OLIVEIRA, Ernesto Veiga. "Festividades Cíclicas em Portugal". Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. 357 p. (Colecção Portugal de Perto n.º 6).






3 comentários:

Dulce P. disse...

Obrigada Alexandra por mais uma vez me fazer recordar o que eu já tinha "esquecido".
Infelizmente, onde eu vivo nao existe esta tradicao e com o tempo, esqueco-me de algumas...:-((
Um abraco de longe

Alexa disse...

Dulce P. - não precisa de agradecer. É para isso que aqui estamos, para esta partilha constante de coisas que já não nos lembramos, que desconhecemos e/ou ignoramos.
E a grande mais valia é, precisamente, essa: a importância dessa partilha diária, num mundo cada vez mais imbuído de egoísmo, distância e individualismo.
Por isso é que continuo a gostar muito desta e de outras tradições, que nos permitem, por momentos, juntarmos-nos aos outros... falarmos com eles e partilharmos (como a conversa que mantive com o Sr. Cortez ou, mais tarde, com a senhora que me perguntou onde conseguira comprar um raminho de espigas).
Por isso mesmo, Dulce, sinta-se à vontade para, mesmo longe, partilhar connosco o que quiser e sentir que é importante, sobre Benfica :)
Abraço grande

João disse...

Dulce: o dia de hoje (5ª Feira de Ascensão) - tão caro aos cristãos de todo o mundo - coincide, em Portugal, com o “pagão” Dia da Espiga. Na Alemanha, a 5ª Feira de Ascensão (Christi Himmelfahrt) é igualmente um dia celebrado pelos cristãos, ao ponto de ser feriado nacional, mas a tradição local faz com que este dia não coincida com um qualquer dia da espiga, mas sim com o Dia do Pai (Vatertag), que na parte oriental é chamado de Dia dos Homens (Herrentag). Em termos de tradição, em vez de vermos pessoas com ramos de espigas, vemos gajos bêbedos por todo o lado, ao ponto de muitos lhe chamarem o dia da bebedeira (Sauftag). Esta é uma das muitas diferenças culturais entre um povo de brandos costumes e outro que nem por isso… ;-)

Mas, como é óbvio, tu saberás disto muito melhor que eu.