27.08.2010 - Por Romana Borja-Santos
In "Público"
Infarmed proibiu o horário após queixa da concorrência. Mas em 2008 deu o seu acordo tácito ao pedido de alteração que recebeu.
A Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) proibiu uma farmácia de Lisboa de continuar aberta entre as 24h e as 6h. O estabelecimento estava aberto 24 horas por dia desde 1 de Janeiro de 2009, tendo para tal comunicado aao regulador, quase seis meses antes, que ia proceder a uma alteração do horário, tornando-se na primeira farmácia de oficina com este horário, e sem cobrar taxa por isso. Em 2008 o Infarmed não respondeu à carta, dando assim o seu acordo tácito, como está previsto na lei. Mas após uma inspecção desencadeada na sequência de uma queixa de um grupo de farmácias concorrentes na zona, impediu o estabelecimento de continuar a funcionar neste horário alargado. Contudo, o PÚBLICO sabe que há várias farmácias abertas 24 horas na zona de Lisboa.
A decisão do Infarmed contraria a política anunciada há dois anos pelo primeiro-ministro no âmbito da liberalização da propriedade, com o objectivo de incentivar as farmácias a "ficarem abertas até mais tarde, de acordo com os interesses das pessoas". Uma das medidas, recorde-se, foi a abertura 24 horas por dia das farmácias hospitalares. O PÚBLICO questionou o ministério com esta situação que remeteu explicações para o Infarmed. O instituto que regula o sector não esclareceu, porém, a sua alteração de posição, afirmando apenas que na inspecção foram "identificadas irregularidades no cumprimento da legislação aplicável aos horários de funcionamento de uma farmácia" e que o estabelecimento acatou a ordem, pois, "caso a farmácia persistisse no ilícito, o Infarmed procederia ao encerramento coercivo" da mesma.
A acção do Infarmed relativa à farmácia Uruguai, em Benfica, e que pertence ao grupo da Associação de Farmácias de Portugal, aconteceu em Junho e surge depois das seis farmácias, que pertencem à Associação Nacional de Farmácias, terem interposto em Maio uma providência cautelar no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Uruguai e contra o Infarmed.
As farmácias Benfica, Benfiluz, União, Santa Cruz, Lavinha e Gouveia, através da sociedade de advogados PLMJ, alegam que a Uruguai viola o horário máximo estipulado na lei [ver caixa] e acusam o Infarmed de não ter reposto a legalidade, depois de uma carta da ANF ter alertado para o efeito ainda em Abril de 2009 e de as seis farmácias terem feito o mesmo em Março deste ano. O grupo que apresentou a queixa insiste que a concorrente só pode estar aberta entre as 6h e as 24h e que o horário alargado causou "enormes prejuízos às requerentes que se localizam territorialmente na mesma zona de influência da farmácia Uruguai e cumprem escrupulosamente" a lei. Com efeito, o PÚBLICO confirmou que todas operam apenas entre as 6h e 20h. Mas a directora técnica da farmácia Uruguai garantiu ao PÚBLICO que duas das concorrentes "não têm o horário visível como diz a mesma lei". Elisabete Lopes explicou que em 2008, como a lei obriga, à semelhança do que fez com o Infarmed, informou a Câmara de Lisboa e a ARS de Lisboa da intenção de mudança, não tendo também obtido resposta escrita. "Mas por telefone a ARS até me perguntou se eu estava ciente da exigência", contou a responsável. A farmácia que tinha na altura oito funcionários duplicou o número e fez obras nas instalações, o que implicou a compra de um robot de 200 mil euros. O PÚBLICO tentou ouvir a ARS de Lisboa, sem sucesso. "A lei não diz que não podemos estar abertos. Além disso, é um bom serviço que estamos a prestar e o que mais custa é que as outras farmácias que falam em dificuldades financeiras nem estenderam os seus horários até às 24h. E só se queixam de serem prejudicadas nos dias em que estão de serviço, que são uns 18 por ano", acrescentou Elisabete Lopes. A farmacêutica contou ainda que a Junta de Freguesia de Benfica já manifestou o seu apoio ao projecto e que está a circular um abaixo-assinado que ultrapassa as 1000 assinaturas.
Legislação sobre horários é confusa
A legislação sobre os horários das farmácias obriga a um pingue-pongue entre duas leis e ainda a ver as excepções que cada câmara municipal pode introduzir. Se olharmos para o Decreto-lei n.º 53/2007, que regula o horário de funcionamento das farmácias de oficina e onde se lê que "o Governo entende, de acordo com a política de acessibilidade ao medicamento, que deve fomentar o alargado período de funcionamento" das mesmas, é explicado que há o "limite mínimo de 55 horas" e o "limite máximo previsto para os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços". O regime geral do Decreto-lei n.º 48/96 fala de um horário entre as 6h e as 24h, dá exemplos de excepções como os postos de abastecimento e diz que as autarquias podem "restringir ou alargar os limites", mas nada refere sobre as farmácias.
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