quinta-feira, 20 de maio de 2010

"O novo Turim não deixou de ser kitsch"




Por Ana Dias Cordeiro, in "Público" (20/05/10)



Parou no tempo e não só porque o cinema esteve fechado e algumas lojas ficaram vazias. Parou no tempo porque o Centro Comercial Turim em Benfica é de um tempo que dificilmente voltará. E como ele, dentro dele, o Cinema Turim, que hoje reabre como novo Teatro Turim. A sua época áurea, como a do centro comercial, pertence aos anos 80 e entra nos anos 90. Vai continuar na cave e, com um novo glamour e o kitsch que não se quis perder, pretende ser um espaço cultural alternativo para "dar palco aos novos criadores" e também espaço de programação infantil.

O sonho é de Anabela Moreira, actriz que aqui viu os seus filmes de infância. O pai, Afonso Moreira, era e é dono de todo o espaço. Com ele e a irmã, Anabela não perdia as matinées infantis, como tantas crianças de Benfica que ainda o recordam como "lugar predilecto" de quando eram pequenas.

A actriz percebeu, há pouco tempo, o fascínio das pessoas pelos grandes espaços, como o Colombo, que levou a que muitos pequenos espaços comerciais - e os seus cinemas - ficassem condenados ao fim ou à decadência. É a pobreza dos bairros ali perto que leva as pessoas a procurar "um mundo onde podem sonhar", diz Anabela Moreira. Nos grandes centros comerciais, "as pessoas têm acesso às luzes, a algum luxo e conforto". Ou pelo menos a ilusão deles. Mas isso não significa que já não se possa dizer "small is beautiful" e que os pequenos espaços não possam reinventar-se e sobreviver.

Canijo na direcção

"No início, isto era espectacular", diz Emílio Canhas, projectista do Turim. Começou em 1983, interrompeu em Agosto de 2007 quando o espaço fechou. "Foi uma grande perda. Sempre adorei esta profissão. "O cinema que aqui se vai ver continuará a ser de película - há uma magia do cinema que se quer manter também com os confortáveis cadeirões de veludo vermelho".

Não é por acaso que o espectáculo da reabertura é a peça 'Os Cães' (até 26 de Junho) - começa com projecções de 'Reservoir Dogs' de Quentin Tarantino em duas telas e termina com as cortinas fechadas e quatro cadeiras no palco. Nelas se sentam Gonçalo Ruivo (Mr. Pink), João Saboga (Mr. White), Miguel Telmo (Mr. Blonde/Mr. Black) e Tiago Fernandes (Mr. Orange).

"Era importante mostrar essa transição", diz o encenador alemão a viver em Portugal Alexander Gerner. A transição de uma sala - que foi só de cinema - para uma que reabre como cinema e teatro.

O Cinema Turim brilhou quando ainda não havia Fonte Nova ou Colombo. Havia sessões da meia-noite, matinées, crianças e velhos, e nas férias de Natal havia filas para os bilhetes das sessões infantis. Havia desfiles de Carnaval. Havia sempre muito movimento.

"Era uma animação. Havia sempre muita gente, muitas crianças. Até dava gosto vir trabalhar", diz Tânia Ferreira, que tinha 37 anos quando abriu a loja de roupa de criança e tem hoje 64. "Era bonito, sim." Depois o Turim entrou em declínio. E o que se via era a sala de cinema com apenas duas ou três pessoas, quase vazia.

Esteve quase para ser alugada à Igreja Maná para sessões de culto. Chegou a haver uma inscrição a anunciar a sua instalação. Nunca aconteceu. Durante uma semana, comentou-se na rua e nas lojas que seria "uma blasfémia" mesmo ali em frente à igreja de Benfica.

O centro tem agora menos seis lojas ocupadas do que tinha então. Ainda existe a florista, a papelaria e a retrosaria, onde entra pouca gente, uma loja de roupa de criança e pouco mais. Na cave, um centro de estética e um espaço que em breve abrirá como restaurante com acesso à Net. A expectativa é grande. Um cinema aberto traz gente, e gente é o que precisa o centro comercial para reviver.

À frente do projecto está, além de Anabela Moreira, directora do teatro, o realizador João Canijo, também da direcção. Para isso, foi criada uma associação, a Am"Arte, e os apoios começam aos poucos a chegar. A ambição da actriz é trazer livrarias e galerias para transformar aquilo que é um centro comercial num verdadeiro centro cultural, em que cinema, teatro, exposições nas paredes dos espaços comuns se completem com lojas também elas ligadas à cultura.

Agora vai acontecer

Será só por acaso que alguns pedaços do que se vê aqui - e no Centro Comercial Nevada, ao lado, onde idosos estão sentados em frente de um ecrã onde passam as notícias da crise - nos remetem para uma paragem no tempo, uma decadência muito portuguesa dos filmes do realizador português.

Não foi o ar decadente que interessou Anabela, habituada a trabalhar com Canijo, mas poder fazer algo pelo pai - que ali investiu muito dinheiro - e pelo sonho de criar um espaço cultural em Lisboa. "Não senti necessidade de deixar o projecto parado no tempo mas deixei-o existir como ele era, embelezá-lo, transformá-lo sem que deixasse de ser o que era."

A actriz agarrou o projecto, há dois anos, quando viu que a sua reabertura podia estar comprometida. Para hoje, estavam previstos os últimos retoques da remodelação, dentro da sala e nas vitrines pretas para a rua, onde focos de luz vão passar a iluminar os cartazes que anunciam os espectáculos. A expectativa no bairro foi refreada pela longa espera. Desde que o cinema fechou há três anos, a sua reabertura foi anunciada em vários momentos. Houve, nos últimos tempos, quem já não acreditasse. Agora, vai acontecer. O senhor da bilheteira não tem ainda bilhetes para vender. Mas sorri.



3 comentários:

J A disse...

Uma boa iniciativa....

Alexa disse...

Sem dúvida, Júlio!
Só tive pena que a tal inauguração não tenha sido realizada mais em comunhão com a população que vai usufruir deste espaço.
Abraço

Inês Pignatelli disse...

Penso que é uma boa iniciativa. força! Estou convosco! Maria Inês