Todos os direitos reservados @ Fausto Castelhano, "Retalhos de Bem-Fica" (2010)Por Fausto Castelhano
"27 de Março de 1960. Momentos antes do jogo com o Ginásio da Amadora"
De pé: Gomes, Tavares, Martins, lérias, Amílcar, Paulo Cardoso e Carlos (guarda-redes suplente e meu irmão).
Em baixo: um amigo do Juventude de Benfica e depois: Mário, Miguel, Belmiro, Fausto e Victor Louro.
Fotografia gentilmente cedida por Fausto Castelhano
"O palacete que se observa no centro da foto era o edifício do Patronato Paroquial e onde funcionava a Escola Primária Oficial Nº 124 (onde frequentei a 1ª Classe com a professora Maria Helena Bento).
O muro onde está a assistência era a cerca do espaço de recreio do Patronato. Repare-se que entre a vedação do rectângulo de jogo e o muro há uma elevação no terreno (uma espécie de anfiteatro) o qual, tornava a visão do jogo muito mais favorável aos espectadores.
O prédio à esquerda da foto (tinha sido construído nessa altura) e está edificado já do outro lado da Estrada de Benfica.
"24 de Julho de 1960 – A equipa do Real Atlético de Benfica antes do jogo com os Corvos, da Cruz da Pedra."
Foto tirada dentro do ringue Fernando Adrião.
Em baixo e à esquerda, o meu irmão Carlos. Em baixo e à direita, eu próprio e, a meu lado, o Mário “Americano” com o “Piloto”, o cão que sempre nos acompanhava para todo o lado. Um grande companheiro…
Fotografia gentilmente cedida por Fausto Castelhano
Logo que se entrava na 'época do defeso', período de tempo que medeia entre os finais dos Campeonatos Nacionais e Regionais de Futebol (finais de Junho até Setembro), eles aí estavam: os Torneios Populares de Futebol.
Então, em vários campos de futebol, uns menos apetrechados (como o do 'Outurela' ou o da 'Quinta das Fonsecas', próximo do Campo Grande), mas outros, perfeitamente consagrados para a prática do desporto-rei como o Campo do Palmense e o Campo Francisco Lázaro onde pontificava o Clube Futebol Benfica, o clube do nosso bairro, desenvolviam-se vários torneios de futebol entre equipas, ditas populares e que, pelo menos em Benfica, tinha um enorme impacto entre a população amante do desporto-rei.
E, se é verdade que, da utilização desses recintos sempre adviriam alguns proventos para os cofres muito minguados dos clubes detentores desses espaços pela sua utilização, por outro lado, mantinham em actividade muitos atletas que, embora alinhando pelos seus clubes nos campeonatos oficiais de futebol, se predispunham em participar, com grande entusiasmo, experiência e saber, nessas equipas populares.
Assim, em algumas delas e pela inclusão desses elementos bastante traquejados no seu desporto de eleição, praticava-se um futebol de excelente nível.
Essas associações populares formavam-se através de grupos de amigos, vizinhos de rua ou de bairro e, a custo, iam angariando fundos para os seus equipamentos, deslocações e outras despesas, quer através das quotizações dos seus associados, quer através de rifas e sorteios ou de algum benemérito mais abonado.
Na Freguesia de Benfica e nos seus arredores existiram vários clubes com este cariz predominantemente popular que, ao tempo e antes da legislação entretanto aprovada, nem necessitavam de qualquer legalização.
"1955 – Cartão de sócio e fundador do Grupo Desportivo do Charquinho, antecessor do Real Atlético de Benfica."
Cartões artesanais. Era assim, com meios muito rudimentares…
Imagem gentilmente cedida por Fausto Castelhano
Então sim. Com a entrada em vigor dessas leis na década de 70 do século XX mas, também, pelas grandes alterações urbanísticas ocorridas na nossa Freguesia e pela dispersão das populações vizinhas, muitos desses clubes populares, dedicados essencialmente ao futebol (mas, também, ao convívio e às petiscadas), pura e simplesmente desapareceram.
Restaram alguns que, posteriormente, se filiaram nas Associações respectivas e que hoje disputam os diversos campeonatos nacionais e regionais.Os jogos desses torneios populares eram sempre ao domingo com início às 09.00 horas e só terminavam cerca das 19.00/20.00 horas que, em pleno Verão, ainda restava tempo bastante até ao sol pôr. Eram sessões contínuas, já se vê mas, onde a alegria e, por vezes o arrebatamento imperavam!
Os jogadores pagavam para jogar. Essa verba, na década de 60 do século XX era de 7 escudos e 50 centavos. A maior fatia da quantia apurada no final de cada domingo cabia ao clube detentora do recinto de jogo, quer pela utilização do espaço, quer pelo pagamento do policiamento e da utilização dos balneários (que incluía a água, fria, dos duches). Uma pequena parcela destinava-se à taça que, no final de cada partida, era entregue à equipa vencedora.
Era assim no antigo Campo Francisco Lázaro (onde pontificava o Clube Futebol Benfica. Fó-Fó é um termo relativamente recente) que se localizava (no sentido Norte/Sul) no espaço entre o muro do Patronato Paroquial da Freguesia de Benfica (onde funcionava a Escola Primária 124) e o rio (há quem lhe chame caneiro todavia, ninguém tratava o nosso rio por esse termo). No sentido Nascente/Poente ocupava a área que distava do muro da Estrada das Garridas e as traseiras dos velhos prédios da Av. Grão Vasco.
Na Estrada das Garridas (onde, sempre se murmurou que, por ali, haveria uma ponte romana soterrada no local onde existe uma corcova no próprio pavimento da estrada), uma das principais vias da Freguesia de Benfica e que se prolongava até à passagem de nível da Buraca, existia um portão que dava acesso ao recinto do campo de jogos. No interior, junto ao muro e ao canavial junto à margem esquerda do rio, localizava-se o campo de basquetebol.
Para lá da margem direita do rio (que foi encanado alguns anos depois), era a Metalúrgica de Benfica onde o meu pai me mandava comprar, com um papelinho na mão onde anotava a referência dos bicos de ferro (UL2) utilizados nas charruas e nos arados que, com o desgaste da sua utilização nas lavras, periodicamente eram substituídos.
Entre os vários clubes existentes no espaço geográfico da nossa freguesia e arredores destacavam-se:
- Juventude de Benfica (equipamento igual ao Juventude de Évora dos irmãos Mendonça, à F.C. do Porto) e estavam localizados na Rua Cláudio Nunes. A pedido, joguei por várias vezes pelo Juventude;
- Sport Lisboa e Águias, que estava sediado no Bairro da Boavista (equipamento à Benfica mas com uns números enormes nas camisolas) e que possuía uma grande equipa de futebol e a qual, era sempre acompanhada por uma entusiástica claque de apoio, essencialmente feminina;
- Os Corvos (equipamento todo negro, à Académica) oriunda da Cruz da Pedra;
- Bairro da Boavista (equipamento todo branco) que, como o nome indica, era do Bairro da Boavista;
- Sport Lisboa e Damaia, da Damaia;
- Sporting Leais da Serra;
- Ginásio da Amadora;
- Juventude da Damaia;
- Leões de Portugal, da Venda Nova;
- Desportivo do Bairro do Taxa, do Bairro do Taxa;
- Bairro Janeiro, da Amadora
- 1º de Maio da Amadora, da Amadora;
- Futebol Clube da Quintinha;
- Real Atlético de Benfica (fundado em 1957). Sucedeu ao Clube Desportivo do Charquinho (fundado em 1955) e estava sediado na quinta do mesmo nome e cuja entrada se fazia pelo grande portão de ferro de cor verde e com o nº 4 da Estrada dos Arneiros. Era aí que eu morava. Aposentos para a nossa sede não faltavam. Aí foi fundado com os meus irmãos, vizinhos e amigos da Estrada doa Arneiros, Travessa dos Arneiros, Estrada do Poço do Chão e outros. O equipamento era todo branco, à Real Madrid e tínhamos alguns patronos como o D. José Blanc de Portugal (que era nosso vizinho), o sr. Marta, sr. Rogério Cardoso, etc."1957 - Cartão de sócio e fundador do Real Atlético de Benfica"
Imagem gentilmente cedida por Fausto Castelhano
"Cartão de Jogador Júnior do Alverca – Época de 1958/59"
Imagem gentilmente cedida por Fausto Castelhano
"Cartão de Jogador Sénior do Alverca – Época de 1959/1960"
Imagem gentilmente cedida por Fausto Castelhano
"29 de Outubro de 1959 – O preço da “traição”… podia lá ser."
Um filho da terra a jogar contra o seu clube. Era uma guerra dentro do campo quando jogava contra o clube do qual era sócio e atleta de andebol de 7. Expulsão no jogo contra o Clube Futebol Benfica. Os amigos, vizinhos e conhecidos não entendiam e nem perdoavam.
Imagem gentilmente cedida por Fausto Castelhano
O Real, era uma excelente equipa de futebol que, como salientei atrás e à semelhança de doutras equipas, era reforçada com vários atletas oriundos de clubes que participavam regularmente, tanto nos campeonatos nacionais como regionais. Tal era o meu caso que jogava na equipa júnior e depois sénior no F.C. de Alverca e um outro colega de trabalho que alinhava no União Vilafranquense. E, na foto em apreço, destacam-se três elementos da equipa sénior do Clube Futebol Benfica.
Todas as equipas apresentavam-se equipadas a rigor e, este ponto, era questão muito importante para os próprios espectadores na apreciação que fariam das equipas em competição. E, nesse tempo, como se jogava no sistema WM, alguns números nas camisolas tinham um enorme significado que, hoje, infelizmente desapareceu). O número 1 (guarda-redes), o número 5 (defesa-central), o 9 (avançado-centro), o 10 (interior-esquerdo). Quem não gostava de jogar com esses números nas camisolas?
Os jogos eram extremamente competitivos e os atletas encaravam as partidas com um enorme sentido de responsabilidade. Outra coisa não seria de esperar. Estava em jogo, também, o prestígio dos próprios dirigentes que, na maioria dos casos, eram também jogadores.
Havia uma grande adesão da população local. Esses Domingos fascinantes arrastavam uma grande massa de adeptos dos vários clubes participantes, com os seus aplausos e os seus incitamentos. Durante vários Domingos, de Julho a Setembro, era um corrupio de gente, uma festa.
E, se é verdade que algumas dessas pelejas não terminavam da maneira mais civilizada, no apuramento final deste movimento social e tão pouco estudado e divulgado, o balanço é francamente positivo.
E, aos atletas que, daí a pouco entravam nos seus campeonatos, era-lhes proporcionada uma preparação física e uma “endurance” que, doutro modo, não teriam no início da nova época futebolística.
"Um dos muitos troféus que o Real Atlético de Benfica conquistou."
Fotografia de Fausto Castelhano
Eram os bons velhos tempos que vivi, que se esfumaram e… não voltam mais…
Um abraço de muita amizade,
Fausto Castelhano"