sábado, 8 de agosto de 2009

O Homem descalço que sorria




Ao certo, ninguém sabia de onde viera ou como por ali aparecera.

Uns diziam que, em tempos, fora muito inteligente e ganhara uma bolsa para vir estudar Engenharia para Portugal, mas depois, fruto das agruras da vida, o seu cérebro descompensara e dera naquele estado meio vegetativo.

Costumava andar descalço e com um impermeável cujo tempo já carcomera a cor, mas não aceitava esmolas nem roupa que lhe quisessem oferecer.

Não falava com ninguém e limitava-se a passar os seus dias deambulando por Benfica, uma vezes sentado junto ao adro da Igreja, outras vezes perto do "Nilo" ou junto ao Mercado.

Apesar do seu ar alheado de tudo e de todos, não raro era vê-lo, aquando das suas deambulações, esboçando um ténue sorriso nos lábios... Como se soubesse que a própria vida não passava de um jogo de marionetas em que só ele compreendia quem puxava os cordelinhos.

Esta tarde, pela segunda vez, encontrei-o junto aos contentores de reciclagem perto do Mercado. Agachado, procurava diligentemente, remexia entre os escombros depositados fora dos contentores. De quando em vez, largava o conteúdo dos sacos, levava as mãos à boca e lambia-as sofregamente, saciando-se com aquilo a que outros chamaram lixo.

Ao passar por ali, não consegui conter a agonia, um misto de náusea, dor e compaixão, ao constatar que, na luta pela sobrevivência, ele fazia lembrar um bicho... mas era, de facto, um homem que ali estava.

Por pudor, não consegui fotografar.







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