"Nasci na Estrada de A-da-Maia em Benfica.
Em Agosto de 1958 mudámo-nos para o Bairro de Santa Cruz. Eu tinha dois anos, a minha irmã 9 meses e o meu irmão viria a nascer nessa casa cor de rosa - o 17 da rua 8 - em 1960.
Lisboa foi para mim, durante muitos anos, aquele Bairro de famílias com filhos, pequena aldeia abrigada e segura, a nossa ilha. E a Mata, manchazinha de Monsanto ali mesmo ao pé de casa...
Lisboa eram os jogos da cabra-cega, do elástico e da macaca, as ameixas, os limões e os alperces, os miúdos à chinchada pela calada da noite e o meu pai a espantá-los como pardais, o homem do pitrolino com o seu cavalo e carroça de traquitanas, belo cigano de chapéu de aba larga 'ai Jesus' das criadas (naquele tempo havia criadas, raparigas que moravam connosco como família), o velhote dos gelados no triciclo motorizado há frutas ou chocolate, cone de bolacha normal ou especial e chocmint!, o senhor Vitorino com as hortaliças e sempre uma cenoura para oferecer ao “amigalhaço”, o menino lá da casa, jogos de futebol de portão a portão (e o menino brilhava) muda aos 5 acaba aos 10, limpa-chaminés enfarruscados, grandes cordas e escadotes como na Mary Poppins, a mulher robusta vendia o peixe à porta da cozinha, canasta pesada e grandes saias compridas, o homem do leite, o jarro maior e medidas de quarto, de meio, de litro, e os pregões!!
“Há praí traaapos, jornaais e garraafas para vendeer?”...
“Há figuiinhos maduriinhos! Quem quer fiiigos quem quer almoçaaar?!”...
O “Amoladooore!” de flauta de pã, dizia a minha mãe que o amolador anunciava a chuva
e nós “um dó li tá cara de amendoá um secreto coloreto um dó li tá quem está livre livre está!” e
“um aviãozinho militar atirou uma bomba ao ar a que terra foi parar?” e
“que linda falua que lá vem lá vem/ é uma falua que vem de Belém/ que vem de Belém que vem de Benfica/ é uma falua que lá vem cá fica./ vou pedir ao senhor barqueiro que me deixe passar/tenho filhos pequeninos não os posso sustentar...”
Às vezes rebanhos de ovelhas lá no Bairro. Havia quintas. Na Estrada de Benfica havia eléctricos de duas carruagens e autocarros com entrada atrás, verdes, de dois andares. Eu lá em cima a espreitar por cima dos muros das quintas. Havia uma Quinta das Rosas na Estrada de Benfica...
Helena Águas"
(com um agradecimento muito especial à Lena D'Água, por nos ter deixado aqui partilhar este seu testemunho)
4 comentários:
descobri uma quinta das rosas na estrada das laranjeiras, ontem (fotos do arquivo municipal)
não sei de onde me vem a memória de uma quinta das rosas na estrada de benfica, lado ímpar...
Lena: de facto, também, conheço essa "Quinta das Rosas", perto da Calçada da Palma de Baixo... a da Estrada de Benfica nunca tinha ouvido falar.
Bjs
Olá Alexa e Helena
A Quinta das Rosas da Estrada de Benfica já não existe. Arrazaram essa e todas as outras. Ficava no Calhariz de Benfica. Na Estrada de Benfica, 477. A nossa amiga Helena tem toda a razão, se se refere ao lado esquerdo da Estrada de Benfica, do lado do Califa. Não foi sonho nenhum, estava lá, no fundinho do seu imaginário.
Pois é...Benfica era uma aldeola com quintas por todo o lado e...a Estrada Real... Nos anos 50 do século XX contabilizavam-se, só na Freguesia de Benfica, à volta de 65quintas e, na freguesia de Carnide, outras tantas...Isto, foi muito, muito pior que um terramoto!Uma desgraça de que não me conformo..
Até a passarada desandou daqui p'ra fora...Se quero ouvir os chapins, os pintassilgos, as milheirinhas ou os verdilhões (e agora, que estamos no tempo dos ninhos)tenho que me pôr ao caminho...e tomar ar...dos campos!
Um abraço
Fausto Castelhano
Amigo Fausto: mais uma vez, os meus sinceros agradecimentos!
Se não fosse a sua fantástica memórias, estaríamos perdidos aqui pelo "Retalhos" ;)
Folgo muito em saber que, afibal, essa quinta de nome tão sugestivo sempre existiu também na nossa freguesia, para além da que existe na Palma.
Quanto às quintas de Benfica, apesar de já não ter conhecido grande parte delas, também lamento muito que, a expensas da "modernidade", não se tenha sabido preservar algo (mais) de verde na nossa freguesia, espaços naturais dos quais todos nós pudéssemos usufruir...
Por isso é que, cá para mim, continuo a considerar o jardim do Sr. Gulbenkian como uma benção verdadeiramente divina!
Mas, também, contrariamente ao Fausto, não me posso queixar muito... pois sou uma das poucas priveligiadas que, nas traseiras do seu prédio, ainda acorda todas as manhãs com este aprazível som:
http://retalhosdebemfica.blogspot.com/2010/03/saudacoes-primavera.html (apesar de muitos dos meus vizinhos pretenderem destruir rapidamente tudo o que lhes relembre a natureza... incluindo os próprios animais :(
1 grande abraço
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