"Depois, no ano seguinte [1928], já fomos viver mesmo para Benfica, numas casas que ainda lá estão, numa das casas, num andar duma das casas, que ainda lá estão... são duas casas iguais, uma chamada Vila Ana, a outra chamada Vila Ventura, na Estrada de Benfica, quem vai no sentido das Portas, do lado direito. Essas duas casas são curiosas (...)
A curiosidade que têm é apenas a singularidade, porque são das chamadas ‘casas do brasileiro’. E por isso mesmo estão, actualmente, ‘tombadas’ como dizem no Brasil, quer dizer estão consideradas como imóveis de interesse municipal, não podem ser deitadas abaixo... podem ser deitadas abaixo no interior, mas exteriormente têm que ficar com aquele mesmo aspecto, justamente por serem ‘casas do brasileiro’, representativas de uma época e de um tipo de construção muito característico naquela altura, um quase chalé, que a época é mais ou menos coincidente com a dos chalés franceses. E as ‘Casas do Brasileiro’ são quase todas nesse género. E então, como é um par simétrico, claro que não foram construídas exactamente gémeas. Eu tenho uma fotografia... nem sei, tenho-a para ali... Inclusivamente, uma fotografia até, duas fotografias, antigas em que numa delas se vê ainda só uma das casas e depois na outra fotografia já se vêem as duas. Fotografias, portanto, da época da construção.
(...)
"Equipa suplementar do Sport Lisboa e Benfica no Campo da Feiteira" (Outubro 1910)
Foto de Joshua Benoliel, in Arquivo Municipal de Lisboa
Vila Ana ao fundo. Vila Ventura encontrava-se em construção, por detrás da rede da baliza.
Foto de Joshua Benoliel, in Arquivo Municipal de Lisboa
Vila Ana ao fundo. Vila Ventura encontrava-se em construção, por detrás da rede da baliza.
"Equipa da Associação de Futebol de Lisboa que jogou com os estudantes de Bordéus e ganhou por 5-1" (Maio 1911)
Foto de Joshua Benoliel, in Arquivo Municipal de Lisboa
Vila Ana e Vila Ventura ao fundo, no canto superior esquerdo da foto.
Foto de Joshua Benoliel, in Arquivo Municipal de Lisboa
Vila Ana e Vila Ventura ao fundo, no canto superior esquerdo da foto.
Os donos da Vila Ana e da Vila Ventura eram… (…) Aquelas duas casas foram construídas por um brasileiro... brasileiro, portugueses que estiveram no Brasil… Inclusivamente, que era um que era o Sr. Ventura e era a Sra. Ana… dois irmãos, e deram o nome depois de Vila Ventura e de Vila Ana, do nome de cada um deles… esses Venturas eram na família Barros… Barros ou Macedo?
Ora vamos lá ver, esses, por sua vez, eram filhos de um senhor que… (...) foi governador do Recife e que tem a maior avenida do Recife, que bordeja o rio onde fica o Recife, tem o nome dele até, que é um nome que eu não me lembro agora. Esse indivíduo, depois, veio para cá, fez essas casas, deu o nome dos filhos e, curiosamente, essas duas casas eram de uma tia minha, tia-avó… Que é Ana Barros Lamas, era Ana Macedo de Barros… Depois casou com um meu tio-avô, Pedro Lamas, e ficou Ana Macedo de Barros Lamas… Eu não sei, portanto, se ela era Macedo se era Barros, parece-me que era Macedo, tenho a impressão.
(...) e uma filha desses meus tios-avós morreu agora no dia 8 de Dezembro, no dia em que fazia 103 anos… Que era a minha madrinha, prima direita do meu pai, minha madrinha.
(...)
Quando nós viemos, portanto, para a Pontinha, para Benfica… Vagou um andar numa dessas casas, na Vila Ventura, o 1º Dto., e então nós fomos viver para lá, que era casa ainda da família, dos meus tios.
Essas casas depois passaram… Aliás, tudo quanto era dessa prima do meu pai e minha madrinha, ficou tudo para o linhaque de Barros, que eram primos como nós exactamente, mas do lado de Barros, que eram para ela como se fosse… eram os filhos que ela não teve. Morreu solteira e agarrou-se sempre àqueles meninos, aqueles primos que eram uns filhos que ela não teve autenticamente… por isso tudo quanto era Lamas, tudo quanto era Barros, ficou para eles… que gozem, que é o que é preciso, não é.
E ali tinha uma coisa engraçada… O nosso quarto, meu e do meu irmão mais velho, era um torreão que há, que tem as janelas eram um óculo, assim redondo, e aquilo era formidável. Nós daquele óculo víamos, em dias limpos, via-se o Castelo da Pena… E quando foi do fogo, do incêndio que houve no Palácio de Queluz, nós dali víamos perfeitamente o fogo no Palácio de Queluz. Também de lá de cima, víamos… também ainda não havia casas tão altas… de maneira que ainda se via tudo até lá ao fundo, víamos o fogo no Palácio de Queluz. Era uma coisa curiosa!" **
** In Entrevista a João António Lamas
"Quando for consumido o fruto da última árvore
e envenenado o último rio,
o Homem descobrirá que não se come dinheiro."
Carlos Drummond de Andrade
e envenenado o último rio,
o Homem descobrirá que não se come dinheiro."
Carlos Drummond de Andrade
É uma das últimas inquilinas da Vila Ventura e uma "personagem" extraordinária com quem tenho tido o grato prazer de conviver nestes dias. Uma senhora única, a quem a definição de "mãe-mulher-coragem" se aplica de uma forma absoluta.
Infelizmente, a sua importante história de vida e fotos (não tiradas) do que ontem me fez visitar ficarão para todo o sempre guardados apenas na minha memória, dado que tenho que respeitar o facto de não os querer ver partilhados com o mundo (e a internet). Talvez um dia...
7 comentários:
Alexandra,
Será um crime que não se recupere estas duas joias, espero que exista bom senso e não se cometa mais um assasinato urbanistico em Benfica.
Nos anos 6o no passeio defronte das Vila Ventura e Vila Ana, existia a paragens dos autocarros da "Eduardo Jorge", que faziam o trajecto de Benfica/ Venda Nova / Amadora/ Queluz. No outros lado da Est. de Benfica, existia a estação dos electricos da C.C.F.L., que faziam os trajectos Benfica/ Praça do Chile (Carreira 1), e Benfica/ Largo do Carmo (Carreira 5), era um mar de gente que circulava naquela zona de Benfica.
Como curiosidade recordo uma figura típica que circulava de um lado para o outro, fazendo um relato radiofónico de futebol, com um lenço emitando um microfone, um "louco de Lisboa". As crianças como eu interpelavamos esta personagem, perguntando " Quantos hà", e ele lá nos dava simpaticamente o resultado.
Cumprimentos.
Vitor Filipe
Acho que actualmente vive alguém nesse andar com uma janela redonda.
Agora pelo Natal havia lá um pai natal.
Leonor nunes
Vitor: muitíssimo obrigada pela partilha das suas recordações sobre esta zona de Benfica!
Infelizmente, temo que "outros valores" se levantem e que, se não nos unirmos todos a favor da preservação da Vila Ana e da Vila Ventura (idealmente, com um projecto comunitário para ambas), o triste e inevitável crime venha a acontecer :(
Daí que vos pedia a todos que divulgassem ao máximo esta Causa.
Muito obrigada!
Leonor: há já 4 "Natais" que lá vive sim um senhor. Em dias de jogo do Benfica, também, é hábito se ver lá colocada uma bandeira do clube.
Mas é uma longa história a deste último inquilino da Vila Ana.
Um grande abraço
O que se está a passar com estes edifícios magníficos é uma vergonha.
Já aderi ao Facebook e vou divulgar a causa!
E parabéns pelo blog. Enquanto nativa da Freguesia, fiquei contente por conhecê-lo!
http://literaturismo.blogspot.com
Cara Anónima de 07/01/10, às 12h26:
muito obrigada pela sua visita a este blog e pelas palavras amigas!
Gostaria de lhe agradecer mais em particular por toda a ajuda que puder dar na divulgação da "Causa" pela preservação da Vila Ana e da Vila Ventura.
Um abraço amigo
P.S. - Gostei do seu Literaturismo, que já adicionei às minhas leituras diárias :)
No dia 21 de Janeiro de 2017 os edifícios "Vila Ana" e Vila Ventura" estão em vésperas de serem demolidos.
O seu espaço será ocupado para habitação, trabalho que ficará pronto em 10 meses.
Vamos esperar que respeitam o que têm de respeitar ou ficarão os habituais "mamarrachos" tão a jeito de gente que só vê lucro.
Dentro de dias colocarei na minha página no facebook (Alberto Helder)as imagens que hoje recolhi.
Uma tristeza...
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