quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Podias ser Tu!...




“O nosso quotidiano civilizado está cheio desses seres
que mantendo uma similar aparência física,

se afastaram de tal maneira da humanidade
que perderam o laço comum.

Pelo que estão reunidas as condições objectivas e morais

para a chacina dos homens-lixo.

E essa é já uma prática quotidiana.

Imposta pelas autoridades,

desculpada pela moral pública,

exigida pela economia.”


Leonel Moura, in "Os Homens Lixo" (2000).






(por Alexandra Carvalho)




Ao longo de 14 anos, a Vila Ana e a Vila Ventura chegaram a um estado de abandono e degradação insustentáveis, que o Movimento de Cidadãos tem vindo a divulgar, exigindo que as entidades responsáveis cumpram o necessário para que este património edificado da freguesia de Benfica seja devidamente preservado.

De facto, desde que a Ormandy Portuguesa, Lda., empresa da qual é Director o Dr. Henrique de Polignac de Barros (Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários) adquiriu estas Vilas, em 1997, para além de nunca ter efectuado obras nas mesmas, depois de ter desapossado os inquilinos que se encontravam ilegalmente em regime de sub-aluguer, não voltou a alugar essas fracções; o que permitiu que, durante anos a fio, em particular a Vila Ana tenha vindo a ser "habitada" por sucessivas vagas de indivíduos: - há 3 anos, os indivíduos toxicodependentes que foram expulsos pelos imigrantes da Europa de Leste do prédio embargado junto ao Mercado; - em seguida, os indivíduos toxicodependentes desalojados do antigo Instituto Lusitano, junto à Mata de Benfica, depois deste ter sido demolido; - depois, os imigrantes de origem cigana da Roménia; - mais tarde, algumas pessoas sem-abrigo; - servindo, também, no último ano, o 1º andar de esconderijo esporádico a indivíduos que supostamente furtam transeuntes na Rua Ernesto da Silva.

A ocupação sistemática da Vila Ana por pessoas sem-abrigo, em particular, no piso térreo, tem permanecido mesmo depois desta ter sido entaipada. O que faz com que a situação desta Vila continue periclitante, constituindo um perigo, não só para o edificado, como também para os moradores-inquilinos, para os vizinhos dos prédios contíguos… e para as próprias pessoas sem-abrigo que aí pernoitam.





Filme de Nuno Rocha
(publicado in YouTube por LGlifesgoodPortugal)





João
, Mihail e ...
3 nomes... 3 vidas... uma mesma casa...

João, Mihail e ... são os 3 últimos habitantes "não legais" da Vila Ana...

Cada um com a sua história de vida e um motivo muito peculiar (a ela associado) para ter caído nesta situação de “abandono social”...

Cada um deles desenvolvendo pequenos trabalhos e biscates (no comércio da própria freguesia), para tentar ir remediando a situação em que se encontra…

Cada um deles preocupado, também, com o destino que a Vila Ana e a Vila Ventura terão, o qual estará intrinsecamente ligado à sua própria vida (tal como sucede com a dos Moradores-Inquilinos, a quem eles ajudam a vigiar o que se passa nas Vilas, procurando a segurança de todos).

Há gestos que nos comovem mais do que mil palavras… E hoje, ao final da tarde, tive a oportunidade de ser brindada com um desses gestos.

Enquanto falávamos sobre a situação das Vilas e os antigos moradores de renome das mesmas, o Sr. Zé sacou da sua carteira e disse com orgulho:

- “Querem ver uma coisa que eu guardo sempre comigo e que toda a gente me pede para lhes mostrar?”

E eis senão quando me mostra o folheto da nossa Acção de Natal pelas Vilas, que guarda religiosamente dobrado e muito bem estimado.

O gesto do Sr. Zé tem ainda mais significado na medida em que este folheto, que ele tem guardado, foi criado especialmente para juntar às ofertas de géneros alusivos ao Natal que fizemos aos 3 Moradores-Inquilinos e aos 3 indivíduos sem-abrigo das Vilas.

Na grande maioria das vezes não temos ideia do impacto de certas coisas pequenas que fazemos e de como as mesmas podem ter um significado grandioso para o quotidiano daqueles que as viveram!...

A história que hoje ouvi da boca do Sr. Zé (há 6 anos nesta condição de “sem-abrigo”) é uma história triste, de quem, no entanto, ainda não perdeu a capacidade de sonhar. Uma história pautada com alguns importantes reencontros (assemelhando-se muito à do filme de ficção acima), mas, também, de muitas perdas inestimáveis...

Mas é, sobretudo, uma história que, de um momento para o outro, podia acontecer a qualquer um de nós!...






O Movimento de Cidadãos pela preservação da Vila Ana e da Vila Ventura considera que todos os seres humanos independentemente da sua condição sócio-económica têm direito à felicidade, ao amor, à ternura e, sobretudo, ao bem-estar de um lar.
Independentemente dos motivos que fizeram com que cada uma destas pessoas tivesse caído na situação em que se encontra (ou do que na mesma experimentaram), cada ser humano é único, e todos merecem ser tratados com a dignidade que as constituições e os direitos humanos lhes conferem. Antes de serem "sem abrigo" são pessoas!

Pelo que gostaríamos de, publicamente, aqui deixar o apelo às instâncias competentes para que a situação do João, Mihail e não seja esquecida, no desenvolvimento do processo inerente à realização das obras de conservação na Vila Ana e na Vila Ventura.









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