segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"Pequenas estórias de uma livraria de Benfica" (4)










Fotografia de José Antunes Ribeiro

Fernando Assis Pacheco foi (é) um caso sério de talento: poeta, romancista, grande jornalista, magnífico conversador, bom garfo e bom copo, amante da vida, óptimo leitor... Morreu ainda novo à porta da livraria Buchholz, em Lisboa.

Conhecemo-nos logo no início da minha vida de editor-livreiro ou livreiro-editor, como acho mais adequado.
Na fase em que a "Ulmeiro" importou livros espanhóis (ou em língua espanhola), o Fernando era um cliente assíduo. Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez, Julio Cortazar, Lezama Lima, Octavio Paz, José Maria Castellet (a sua excelente antologia poética "Nueve Novisimos", edição da Barral Editores), Salvador Espriu e toda a colecção de Poesia "El Bardo"... Com raízes familiares na Galiza, Assis Pacheco era um grande conhecedor das literaturas e das culturas de toda a Espanha.

Dos nossos encontros recordo uma tasca no Bairro Alto, pertinho do jornal "República", onde estivemos algumas vezes ainda no tempo da Outra Senhora! Também devo ao Fernando alguns escritos muito simpáticos sobre os meus livrinhos.

Um dia eu estava a ouvi-lo numa entrevista na Rádio e oiço o Fernando a dizer que há muito tempo não via pirilampos e que gostava muito de os mostrar ao seu filho João. Por aqueles saudosos tempos eu tinha uma casinha na floresta rodeada de pirilampos no Verão. Telefonei-lhe e combinámos a tal ida que nunca aconteceu. As nossas sempre complicadas vidas...

Noutra altura telefonou-me para me desafiar para uma viagem a Barcelona. Queria mostrar-me um Bar de um amigo que estava decorado com Poesia Visual. O Fernando sabia da minha ligação a muito daquilo que se publicou em Portugal neste campo! Nunca se concretizou a nossa ida a Barcelona. Mas acho que um dia ainda hei-de ir à procura do tal Bar decorado com Poesia Visual...

Talvez que o nosso último encontro tenha sido numa Feira de livros antigos no Museu da Electricidade. O Fernando estava visivelmente cansado... e, passado algum tempo, pediu-me para o levar a casa. Quando nos preparávamos para sair apareceu o Afonso Praça, um amigo comum, também um grande jornalista prematuramente desaparecido. O Afonso disse-me que o levava ele...

Grande poeta, o Fernando escreveu:

"(...) vez por outra um livrinho
de versos vez por outra nada
qualquer um do teu tempo
está bastante melhor do que tu
deputado administrador de empresa
ministro da maioria
puta (alguns chegaram a isso) (...)

como é que tu escrevias
merdalhem-se uns aos outros

o país mete dó

guarda o último tesão
para mandares
meia dúzis de canalhas à tábua"



(JAR)








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