(por Alexandra Carvalho)
"Droga designava primitivamente toda a substância orgânica ou inorgânica
empregada como ingrediente de tinturaria, química ou farmácia.
De droga formou-se drogaria.
É interessante seguir ao longo do tempo
a evolução semântica de palavra drogaria.
Drogaria significava inicialmente uma colecção de drogas.
De colecção de drogas passou a designar o local onde se guardavam as drogas
e, finalmente, o comércio de drogas.
Actualmente chamamos drogaria ao estabelecimento comercial
onde se vendem medicamentos e outros produtos acabados,
como cosméticos e perfumarias, prontos para serem usados".In "Liguagem Médica - Droga, Fármaco, Medicamento, Remédio"
Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)Ao passarmos pela montra do Nº 692A da Estrada de Benfica, jamais imaginaríamos que nos encontrávamos perante uma das mais antigas Drogarias da freguesia de Benfica.
Entramos e ficamos deslumbrados com a infinidade de produtos diligentemente arrumados nas paredes-montra que forram toda a loja.
Aí descobrimos o
restaurador Olex, o
sabonete Feno, o
Ach Brito e a famosa
pasta medicinal Couto - uma série de produtos de outros tempos, que hoje continuam a fazer a mística de jovens que nunca os conheceram ou utilizaram sequer (desde a abertura da loja
"A Vida Portuguesa" de
Catarina Portas), mas também a de
"(...) clientes que repetem e só querem aqueles produtos antigos", como nos diria o proprietário desta Drogaria.
Procurámos esta loja por outros motivos (pessoais), mas não resistimos a fazer uma mini-entrevista com os seus proprietários, para aqui deixar o testemunho neste
blog.
Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)Aí estabelecidos desde 5 de Maio de 1962, o Sr. Fernando e a Dª. Natália são os anfitriões, que nos recebem com uma simpatia inigualável.
Ela com o seu sorriso de menina, a desenhar-lhe o rosto de bondade. Ele com os seus olhos azuis marejados de lágrimas, sempre que se emociona.
O Sr. Fernando e a Dª. Natália trabalham nesta Drogaria há 47 anos, a qual tem ainda muitos clientes regulares das imediações, assim como dos Bairros das Pedralvas, Charquinho e Santa Cruz.
Clientes que se habituaram a encontrar nesta loja tudo aquilo de que necessitam, sobretudo, ao nível do factor humano, como nos explica o Sr. Fernando: "(...) o cliente aqui fala connosco, nos supermercados fala com as prateleiras. E então a pessoa sempre se abre, sempre conta o passado dela, sempre conta a vida dela, sempre desabafa connosco e, praticamente, é como uma família!"
Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)O aparecimento de alguns supermercados na zona e o início das obras para construção da CRIL ali mesmo, às Portas de Benfica (com a consequente demolição do Bairro das Fontaínhas e do Bairro da Azinhaga dos Besouros), "roubaram" muitos clientes ao Sr. Fernando e à Dª. Natália.
Mas não é por isso que eles não vêem com bons olhos as mudanças que têm ocorrido na freguesia. Consideram Benfica melhor e mais desenvolvida do que noutros tempos e relembram com entusiasmo o facto dos terrenos por detrás da sua loja, onde outrora existiu a Fábrica de Tintas Atlantic, terem dado origem à construção de 52 prédios.
"Fernando Figueiredo, dono de uma drogaria em Benfica
onde ainda se vende a pasta medicinal Couto que comemora o seu 75º aniversario"
Fotografia de Mário Cruz (Lusa), 07/04/07, disponível in "Fotos Lusa" Duas ou três das restantes Drogarias que ainda existiam em Benfica, com quem era hábito trocarem os seus produtos (numa forma de comércio bastante saudável e sem quaisquer rivalidades), fecharam, por morte dos seus proprietários.
Mas a sua Drogaria ali permanece... uma das últimas e das mais antigas.
Perante o meu fascínio com a máquina registadora da Drogaria, o Sr. Fernando aproveita para contar que, há uns anos atrás, lhe apareceram ali na loja uns jornalistas, a querer filmar tudo e
"(...) até me fizeram subir e descer ali as escadas várias vezes". Depois, o artigo saiu em alguns jornais, que o Sr. Fernando ainda guarda religiosamente (e dos quais aqui publicamos algumas das fotografias recolhidas nessa época).
Muitos dos seus clientes costumam dizer-lhe
"Ah, não feche isto, não feche porque faz muita falta!".
Mas, quando o interrogamos sobre o futuro do seu negócio e se algum dos seus descendentes retomará o que iniciaram, o Sr. Fernando diz-nos:
"(...) A minha filha tem o seu emprego, não é?! Trabalha na Carris já há uns anos, ainda era solteira. Os meus netos querem estudar e não é para depois trabalharem num balcão de drogaria. Nem eu gostava, para já! E agora para o futuro, eu já disse à minha mulher, em chegando aos 75 anos, eu tenho 73... não vou morrer aqui, não é?!"
Fotografia de Alexandra Carvalho (2009)Nesta freguesia que, há 47 anos atrás, também escolheram para residir, a Dª. Natália relembra que o espírito da vida de bairro já não é o mesmo:
"(...) Mas não é como era! Mudou. É que, realmente, é lógico que as coisas aconteçam assim. Porque dantes era, realmente, as pessoas que foram aqui muitos anos habituadas. (...) elas acabaram, realmente, coitadas, por morrer, e os filhos já não continuaram os hábitos dos pais. E então já se tornou muito diferente. Porque enquanto dantes não havia tantos carros para se deslocarem, havia mais convívio, com essas pessoas de mais idade. Agora não! Cada um tem o seu carro, vão se expandir para onde querem e lhes apetece. É muito diferente! Nesse aspecto é que é muito diferente! Já não há o convívio, nem aquela amizade que havia."Ainda assim, Dª. Natália não trocaria esta freguesia por outro local, como nos conta:
"Eu gosto muito de Benfica! A minha filha vive em Vale de Milhaços e eu quando lá vou, ela até tem uma casa grande, que um dia que uma pessoa necessite realmente pode ir para lá... mas eu digo que tirem-me tudo menos a minha casa de Benfica!"
"Fernando Figueiredo e a mulher, donos de uma drogaria em Benfica
onde ainda se vende a pasta medicinal Couto que comemora o seu 75º aniversario"
Fotografia de Mário Cruz (Lusa), 07/04/07, disponível in "Fotos Lusa"
A Drogaria do Sr. Fernando e da Dª. Natália constitui um dos últimos redutos do comércio tradicional de bairro, na freguesia de Benfica.
Um espaço muito especial a ser visitado, em particular pela atenção e simpatia com que somos recebidos!