quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os Saloios de Benfica





"A uma légua de Lisboa,
e como escondido mais adiante do contacto de povoações,

se nos apresenta um valezinho

que, por frescura de fontes,

alegria de árvores e amenidade de terreno,

mereceu, naturalmente, o nome de Benfica."



Brito Aranha, in "Archivo Pittoresco"


(por Alexandra Carvalho)



Benfica de outros tempos é descrita como uma localidade onde as quintas se seguiam umas às outras: a verdadeira horta de Lisboa. Entre as quintas mais famosas encontravam-se a das Pedralvas, Tojal e Charquinho.

Depois da fundação da nacionalidade, toda a zona do termo da cidade de Lisboa ficou habitada por rurais mouros que aí se mantiveram, sujeitos à dominação cristã.

O termo de Lisboa foi o lugar de fixação do "velho saloio" realizada sobretudo em tempos de D. João I, até como recompensa pela maneira como os seus habitantes haviam colaborado e lutado pela defesa de Lisboa contra Castela. Muitas terras reais foram então distribuídas por doação.





A presença muçulmana fez-se notar em Benfica sobretudo pelas características "saloias" que os habitantes manifestavam até ao século XVIII.
O "saloio" deriva do "çahroi" (= habitante do campo), designação dada com desdém pelos mouros aos habitantes dos arrabaldes.

Também os colonos francos e flamengos, aí chegados na época do povoamento, contribuíram para a formação do tipo clássico do "saloio".





Sendo o "saloio" descendente do moçárabe, foi da cultura arábica que herdou muitos dos seus usos e costumes, inclusive a arquitectura, como se nota nas formas e proporções daquele que é o seu tecto habitual:

"Imprimia o Saloio à sua habitação a robustez física e de carácter que o individualizaram. Sendo evidente que a casa saloia se insere no tipo de casa tradicional do Sul do País, ela possui um quê distintivo que logo a singulariza na Estremadura."

Maria Micaela Soares, in 'A Mudança na Cultura Saloia', Artigo inserto em "Loures, Tradição e Mudança" (vol. I, pág. 170. Loures, 1986).


A construção saloia, habitualmente com o seu lagar, fornos, adega, estábulos e curral, reflecte sobretudo a actividade agrícola do homem "saloio", que continua como os seus antepassados a ser o "çahroi" da época muçulmana, isto é, o trabalhador do campo.







Os "saloios" de Benfica deslocavam-se a Lisboa para venderem frutos, legumes e flores. Sendo às Portas de Benfica que se efectuava a pesagem dos produtos que entravam na cidade, servindo este edifício como ponto de apoio para a cobrança do imposto atribuído à entrada de mercadorias em Lisboa.






Com a inauguração do Aqueduto, surgiram algumas das profissões mais típicas da cidade de Lisboa, como as lavadeiras e os famosos aguadeiros.
Estes últimos, na sua maioria de origem galega, carregavam barris de água que vendiam a quem passava pelas ruas de Lisboa. Abasteciam-se nos vários chafarizes (entre os quais o de Benfica), sendo também obrigados a dar auxílio à população em caso de incêndio.

A designação "alfacinha" que, tradicionalmente, se atribuía aos lisboetas ficou como uma ténue lembrança de uma época há muito desaparecida e que evoca a proximidade rural da cidade e dos tempos de lazer dos seus habitantes.







Os saloios de Benfica eram, em suma, “figuras típicas (…) que circulavam por toda a cidade", tal como as varinas da Madragoa e os fadistas da Mouraria, de acordo com Graça Índias Cordeiro.

"Figuras" que deram, posteriormente, origem a identidades culturais concebidas, através das especificidades de cada freguesia (incluindo a de Benfica), em diversos planos, relacionais e simbólicos; que, a um nível mais global, contribuíram para a construção identitária de uma cidade popular, pitoresca e bairrista (da qual as Marchas Populares são o exemplo-vivo).








Para a redacção deste texto contribuiu a inspiração dos seguintes retalhos:

- Junta de Freguesia de Benfica (online)- Maria Micaela Soares, in 'A Mudança na Cultura Saloia', Artigo inserto em "Loures, Tradição e Mudança" (vol. I, pág. 170. Loures, 1986).

- Graça Índias Cordeiro, in "Uma certa ideia de cidade: popular, bairrista, pitoresca".

- Jorge Marcelo; Maria Margarida Lima; Maria Rita Coelho da Mota Dias Pinheiro, in Trabalho para a cadeira de História da Arquitectura, "O Lugar de Benfica" (Fevereiro 1989).



8 comentários:

No Name disse...

Excelente apontamento histórico.
Nunca se dá por perdido o tempo de dar um "passeio" por aqui. E, já agora, obrigado por contribuir para o meu enriquecimento cultural.

Alexa disse...

Someone: muito agradecida pelas suas gentis palavras!
Cá aguardarei pelas suas próximas visitas, esperando poder ir ao encontro das suas expectativas culturais :)
Um abraço

No Name disse...

Alexa, "Someone" e Francisco são um só. Peço desculpa por esta troca. As minhas visitas têm sido frequentes mas, dado o estilo e o tema, tornaram-se "passeios" obrigatórios para quem nutre um carinho especial por esta freguesia.
Um abraço

Alexa disse...

Muito obrigada por essa informação, Francisco!

Dulce disse...

Olá Alexa,
É muito agradável andar por aqui, até porque não conhecendo eu os costumes da cidade, fico ao menos a a saber o que se passava por "aqui" que é o meu bairro agora.Estes retalhos são muito interessantes e voltarei sempre.
Beijinhos
Dulce

Alexa disse...

Muito obrigada, Dulce!
Fico muito contente que goste deste meu "novo" espaço e que o mesmo lhe possa trazer mais informações sobre os outros tempos (e algumas curiosidades) da nossa freguesia!
Beijinho grande

Anónimo disse...

Entrei no seu espaço há poucos dias. Parabéns. Nasci na freguesia, estive ausente alguns anos, mas sempre em contacto com notícias, agora voltei a residir na minha terra.

Alexa disse...

Muito obrigada pelo seu comentário e, sobretudo, pela visita, caro Anónimo!

Um abraço