Os extenuantes, persistentes mas, sem dúvida, necessários ensaios da prestigiada “Marcha de Benfica”
realizavam-se no próprio salão, afinando “marcações”, cantorias e demais quesitos até à desejada perfeição e a contento do zeloso ensaiador…
Era, exactamente dali, que a “Marcha” abalava carregadinha de entusiasmo e ambição por parte de dirigentes, “marchantes” e população em geral, rumando p’ró desfile na Avenida da Liberdade na noite festiva de Santo António esperando, sempre, que botassem figuraço de excepção e prestigiassem a Freguesia de Benfica tendo em vista, alcançar a melhor qualificação possível… A sensação do desfile, a vendedeira de fruta e hortaliça, Alice Gorjão, montada no burro ajaezado à pinoca, uma alusão às raízes saloias da região… O garbo da Alice Gorjão provocava o delírio da multidão e arrebanhava justos e calorosos aplausos…
A “Casa da Palmeira” na Rua Cláudio Nunes, nº 60, logo a seguir à “Casa de pasto” que exibia no seu interior e na parede do lado esquerdo, o famoso quadro do Grupo Excurcionista e Jantarista “Os Amigos da Uva de Benfica”.
(Foto de Fausto Castelhano)
Olhem! A “
Casa da Palmeira” está aqui à nossa ilharga! Quando deambulo por estas bandas lanço, sempre, uma olhar comovido p’rá aquele conjunto magnífico e onde a palmeira lhe dá um toque especialíssimo! Pois é, a “Casa da Palmeira” com o nº 60 da Rua Cláudio Nunes continua a resistir contra ventos e marés! Até um dia… que se vai avizinhando, pouco a pouco! Ali residia, segundo consta, o Sr. Gaspar, “o Seboso”, o dono do
“Girassol de Benfica”...
Aproximamo-nos do termo da nossa digressão ao Passado. Daqui até à última paragem, é um esticão razoável… Aos poucos vamos papando todo o caminho e, mal nos damos conta, chegamos ao nº 100 da Rua Cláudio Nunes: a taberna/mercearia do Sr. José Maria Gaspar...
A taberna/mercearia do Sr. José Maria Gaspar, uma agradável raridade na Freguesia de Benfica, agora sob a gerência do Sr. Fernando Gonçalves, sobrinho da esposa do Sr. José Maria Gaspar: Rua Cláudio Nunes, nº 100. A porta do lado esquerdo, a taberna com o nº 100.B e, a porta à direita, a mercearia com o nº 100.A.
(Foto de Fausto Castelhano - Setembro de 2010)
Que me lembre, talvez em 1947, foi aqui onde, pela vez primeira, o meu pai, fumador de cigarros de enrolar, me mandou aos recados: -
“Vai ao Gaspar e traz-me uma onça de 'Tabaco Superior' e um livro mortalhas 'Conquistador' mas, toma cautela! Se não houver mortalhas 'Conquistador'… não tragas Zig-Zag”… Pequenito, lá ia, contente por depositarem inteira confiança em dez réis de gente, atalhava pela quinta fora, a distância não me afligia absolutamente nada e, com uma perna às costas, era canja…
Seguramente, 60 anos foram devorados desde então... A esparsos, sempre que percorro estes sítios no intento de desenferrujar as articulações, relanço uma olhadela de raspão, fugidia e quase sem querer, ao pequeno e velho“estaminé”! Pois bem, desta vez, mirei atentamente a fachada da loja e… fiquei extasiado! Está na mesma!
Entrei, apresentei-me e logo informei ao que ia e o que pretendia… Fui acolhido cordialmente pelo Sr. Fernando Gonçalves, o sucessor natural do Sr. José Maria Gaspar… Como imaginava, o Sr. José Maria Gaspar, nascido na Freguesia de Malhada da Serra, concelho de Pampilhosa da Serra, falecera nos idos 80 do século XX e a esposa, natural do mesmo concelho, também já deixara de fazer parte do número dos vivos… O casal não deixou descendência directa porém, o actual proprietário do estabelecimento, o Sr. Fernando Gonçalves, é sobrinho da esposa do antigo dono da loja e, tal como os seus parentes, também viu a luz do dia no Concelho de Pampilhosa da Serra…
O Sr. Fernando Gonçalves
, sucessor do Sr. José Maria Gaspar e que consegue manter o cunho, cada vez mais raro, da taberna/mercearia dos idos de 40/50 do Século XX.
(Foto de Fausto Castelhano - 2010)
Enfim, entabulámos um prolongado e animado “bate-papo” que se estendeu por uma manhã inteira e, dias depois, não resisti e voltei…
À primeira vista e volvidos tantos anos, parece que nada mudara: à porta, os mesmos caixotes de fruta e hortaliça, objectos de utilidade doméstica, alguidares de plástico, ratoeiras p’ra caçar ratos e pássaros (que saudades, meu Deus), arrastadeiras p’ra acamados, rolhas de cortiça, bocais e chaminés p’ra candeeiros a petróleo, etc. Uma infinidade de coisas de tempos imemoráveis que raramente se encontram em qualquer loja de comércio tradicional…
Um copázio de tintol, o mata-bicho a meio da manhã (11.35 horas) d’um cliente da taberna/mercearia do Sr. Fernando Gonçalves, o antigo estabelecimento do Sr. José Maria Gaspar.
(Foto de Fausto Castelhano – 17 de Setembro de 2010)
Este freguês optou por uma cervejinha às 10.36 horas da manhã. Ao fundo e encostado ao balcão, o Sr. Fernando Gonçalves.
(Foto de Fausto Castelhano - 24 de Setembro de 2010)
Na mercearia, uma infinidade de produtos do ramo! Não falta nada! Não me cansei de remirar toda aquela ambiência que me fascinou em absoluto… Entraram clientes p’ró mata-bicho, cervejola fresca ou saboreando um copito de vinho, contámos histórias e episódios da nossas vidas, registámos em fotos tão agradável visita à castiça lojinha… Foi-me garantido, firmemente, que aquela vendinha à moda antiga se irá manter assim, nas mesmas condições e tal e qual como no tempo do Sr. José Maria Gaspar onde, no regresso dos funerais no Cemitério de Benfica, os participantes no cerimonial funéreo emborcavam os primeiros baldes de vinho na costumeira peregrinação às capelinhas da ordem…
Despedi-me, emocionado, com a promessa de voltar… Saí, porta fora! Em frente, na ponta do nariz, o sinistro portão do
Cemitério de Benfica que nos envolve em justificada inquietação e temor e por onde, mais cedo ou mais tarde, iremos entrar… nas calmas e em respeitoso silêncio…
Eis o sinistro portão do Cemitério de Benfica e a Capela mortuária que tanta e justificada inquietação nos provocam.
(Foto de Fausto Castelhano)
Afora um número cada vez mais elevado de cidadãos, por opção própria ou da respectiva familória, que preferem ser esturricados e reduzidos a cinzas nos fornos crematórios dos Cemitérios dos Olivais ou do Alto de S. João, os restantes entregarão o corpo à terra fria!
Nobres ou plebeus, pobres, ricos ou remediados, jovens, velhos ou crianças, crentes ou hereges, ninguém consegue escapar ao fatal destino e todos vão lá malhar com a carcaça!
O badalo da sineta soará ao aproximar da carreta que, ao atravessar o malquisto e funesto portão estacionará, apenas, por breves momentos… Então, os solícitos “gatos-pingados” da Agência Funerária contratada dirigem-se à Secretaria e, ligeirinhos, tratam de todas as formalidades burocráticas… Depois, sim! Todo o cortejo arrancará em silêncio, direitinho ao coval previamente aberto! É o fim! Será?
A viagem através dos tempos e das memórias (possíveis), das pessoas e dos sítios, termina aqui… Abordámos a temática
“Tabernas, Tascas e Casas de Pasto” na Freguesia de Benfica retornando às décadas de 40 e 50 do século XX. Enquadrámos os locais de maior interesse no espaço físico onde encontravam inseridas balizando, como era o nosso intuito, a área compreendida entre a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, a Estrada de Benfica até à Avenida Gomes Pereira e a totalidade da Rua Cláudio Nunes.
Introduzimos um excelente texto enviado pelo nosso amigo Luís Silva (a quem envio os meus agradecimentos) e que, sobremaneira, valorizou este trabalho, o qual se norteou, essencialmente, pelo rigor das datas, sítios e personagens!
Não sei se consegui alcançar os objectivos a que me propus. Permanece essa incógnita mas, pelo menos, esforcei-me dentro das minhas possibilidades.
(FIM)Uma excelente achega!
(por Luís Silva)
"Uma das tabernas da minha memória situava-se no
702 da Estrada de Benfica, na esquina com a Calçada das Pedralvas onde hoje se encontra um pequeno café que pertence a um familiar, o António, ou Tó, do último proprietário daquele espaço enquanto taberna, que foi (felizmente ainda é vivo, embora bastante adoentado) o senhor Francisco, mais conhecido por Chico da Taberna, na senda do que antes se fazia que era de apelidar as pessoas com o ofício ou local de residência ou trabalho do titular. No caso do Sr. Chico, também servia para o distinguir de outro comerciante que explorava uma pequena mercearia duas portas acima, o Sr. Chico da Mercearia, estabelecimento já desaparecido e hoje ocupado (ou desocupado porque se encontra fechado há tempos) pela Sapataria
"Charles".
Desde que me lembro de existir, lembro-me daquela taberna, do seu cheiro característico, dos barris de vinho, do seu balcão em mármore e dos pequenos petiscos que a Dona Cassilda, esposa do Sr. Chico, por lá fazia, especialmente das pataniscas, dos jaquinzinhos, do peixe frito bem como das belas sandes de torresmo ou chourição.
Confesso que não sei desde quando é que ali existia a taberna sem nome estampado, era simplesmente a Taberna do Sr. Chico.
Espaço pequeno, com 3 ou 4 mesitas, era muito frequentado e sempre que por ali entrava, não para consumo própria pois a idade não o permitia, mas para ali fazer recados ao meu pai e ali comprar uma litrada de tinto, branco ou palhete, nunca de lá saía sem um pequeno rebuçado de fruta e sem trazer a boa disposição emanada do seu proprietário.
Se a memória não me atraiçoa, a entrada para a taberna fazia-se por uma porta de madeira semelhante às das típicas dos filmes de
cowboys.
Recordo-me com enorme satisfação os dias em que chegavam os fornecedores do vinho, que faziam deslizar os barris do topo das camionetas de caixa aberta, por uma espécie de escada sem degraus.
Para nós, crianças, era uma aventura engraçada e fazíamos figas para que um daqueles barris se escapulisse das mãos hábeis do manobrador e rebolasse pela Estrada de Benfica abaixo... (enfim... pensamentos de criança de quem queria era diversão). Felizmente nunca tal aconteceu.
Os tempos modernizaram-se e o Sr. Chico passou a pequena taberna para o Tó que depois a modernizou e adaptou a um pequeno café / pastelaria.
Sempre conheci o Sr. Chico bem-disposto, alegre e sorridente, com enorme carinho por todas as crianças mesmo aquelas que lhe atazanavam a cabeça quando, a meio das jogatanas da bola, lá entravam aos rodopios para saciar a sede com copos de água.
No mesmo lado da Estrada de Benfica, um pouco mais abaixo, no nº 696, ainda existe uma pequena mercearia, ou como se chamava antes, um lugar de fruta, cujo proprietário ali se tem mantido estoicamente há vários e longos anos, o Sr. Júlio da fruta. Naquele pequeno estabelecimento, existe um piso inferior, onde antes existia uma adega e se vendia vinho avulso, à garrafa ou ao garrafão, directamente do produtor.
Também ali se vendia vinho a copo e por vezes ali se juntavam vários fregueses, embora não fosse, por natureza, uma taberna.
Ainda na Estrada de Benfica, no lado contrário, já muito próximo de chegar às Portas de Benfica, existia uma outra taberna, a da Dona Laurinda, que além de servir copos de três e os seus famosos petiscos, se vendia o típico pão alentejano. Recordo-me como se fosse hoje, a figura da Dona Laurinda atrás do fogão, enquanto dava conta da frigideira, respondendo à letra, e bem à letra, a alguns comentários dos clientes que a gostavam de ouvir. Aquele espaço é hoje ocupado por um pequeno café e embora já não pertença à Dona Laurinda, ainda hoje é possível encontrá-la por lá, até porque vive no mesmo prédio.
No inicio da Estrada A-da-Maia, quem vai para o Mercado de Benfica, do lado direito, ao lado de uma padaria, que ainda hoje existe, e da antiga loja da
"Singer", já fechada e desocupada, também existia uma taberna que nos anos mais modernos foi adaptada a café / restaurante e hoje, talvez sinais da crise, se encontra encerrada. Ali se vendia vinho a copo, garrafa ou garrafão directamente dos barris. É um espaço que me traz gratas recordações porque, era ali, onde eu e os meus amigos comprávamos os nossos primeiros cigarritos - os mata-ratos."
NOTAS:
(7)A Estrada dos Salgados
A
Estrada dos Salgados começava no entroncamento do final da Calçada do Tojal com a antiga Estrada da Circunvalação ou Estrada Militar. Com as obras da conclusão da CRIL, a parte inicial da Estrada dos Salgados foi completamente destruída, à semelhança da airosa Quinta dos Lilazes, logo à entrada da referida via.
A Estrada da Brandoa começava na Estrada dos Salgados. Em segundo plano, o cabeço e algumas casas da Brandoa.
A Estrada dos Salgados permitia (e continua a ser assim, mercê de algumas alterações viárias) o acesso à Brandoa através da Estrada da Brandoa e ao lugar de Alfornelos, via Rua de Alfornelos…
A carreira da
Empresa Eduardo Jorge com destino à Amadora, seguia o seguinte itinerário: cimo da Rua Cláudio Nunes, à esquerda para a Estrada dos Arneiros, Calçada do Tojal (à direita), cruzamento da Estrada Militar e começo da longa Estrada dos Salgados, Falagueira e Amadora, a antiga Porcalhota...
(8) Francisco Lázaro
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Francisco Lázaro durante a prova da “maratona”.
(Foto Wikipédia) Francisco Lázaro (Benfica, Lisboa, 21 de Janeiro de 1891 - Estocolmo, 15 de Julho de 1912) foi um atleta português. Fez parte da primeira equipa olímpica portuguesa nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, Suécia, onde participou na prova da maratona.
Francisco Lázaro desfaleceu durante a prova e veio a falecer poucas horas depois.
(Ver: Francisco Lázaro)(9) Padre Cruz
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O Padre Francisco Rodrigues da Cruz.
(Foto Wikipédia)
Jazigo do Padre Cruz no Cemitério de Benfica.
(Foto de Fausto Castelhano)O Padre Francisco Rodrigues da Cruz, o mais famoso sacerdote oriundo do território daquela que é hoje a diocese de Setúbal, nasceu em Alcochete, a 29 de Julho de 1859 e morreu em Lisboa a 1 de Outubro de 1948.
(Ver: Funeral do Padre Cruz)(10)
José Dias Coelho
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O artista plástico e dirigente do Partido Comunista Português, José Dias Coelho.
(Foto de Fausto Castelhano)
Túmulo de José Dias Coelho no Cemitério de Benfica. (Foto de Fausto Castelhano)José Dias Coelho, artista plástico e dirigente do PCP - Partido Comunista Português, foi assassinado a tiro pela PIDE a 19 de Dezembro de 1961. O funeral, discreto, realizado quase às escondidas, apenas se realizou a 26 de Dezembro.
O assassinato levou o cantor Zeca Afonso a escrever e dedicar-lhe a canção
“A morte saiu à rua”. Da sua vida pessoal merece referência a sua relação com a artista plástica, Margarida Tengarinha. O casal teve três filhas.
Ao optar pela clandestinidade em 1955, põe de parte a sua carreira artística como escultor, que nesse mesmo ano vê os primeiros sinais de reconhecimento público, com duas esculturas para a Escola Primária de Campolide (secções feminina e masculina) e uma grande escultura para a Escola Primária de Vale Escuro, em Lisboa, e dois baixos-relevos, um para o Café Central das Caldas da Rainha e outro para a fábrica Secil.
(Ver: José Dias Coelho)(11)
A esplanada do “Café Girassol” e o Sr.Gaspar, vulgo, “O Seboso”
O tempo bateu asas e voou vertiginosamente sem nos darmos conta e quando reparámos, contámos mais de cinquenta anos… Desde então, amigos e conhecidos nos instavam p’ra contar como foi a tal história do Café
“Girassol de Benfica” e do Sr. Gaspar,
“O Seboso”, tal como ficou conhecido na Freguesia de Benfica e arredores. Sempre nos fomos esquivando por este ou aquele motivo mas, a causa mais provável, foi o sentirmos a consciência um pouco pesada pela radical sacanice exercida sobre a pessoa do Sr. Gaspar, vulgo,
“O Seboso”… Penso que a sanção aplicada teria sido excessiva e… logo nos arrependemos…
O apodo, um pouco afrontoso, ficou impregnado na mente das gentes de tal modo que, o nome próprio do nosso amigo Gaspar foi-se diluindo aos poucos e… apagou-se… Pessoalmente, já não me lembrava e os companheiros (dos finais dos anos 50 do século XX) que consultei, nada me adiantaram… A sorte bateu-me à porta quando visitei a venda do Sr. José Maria Gaspar, no cimo da Rua Cláudio Nunes… E logo se fez luz: Gaspar! Isso mesmo!
Então, vamos começar pelo princípio, isto é, pela excelência da esplanada do pequeno Café
“Girassol de Benfica” que se destacava pelo magnífico posicionamento na zona fulcral da Freguesia de Benfica, ou seja, no gaveto da Estrada de Benfica com a Rua Cláudio Nunes… O estupendo panorama que dali se desfrutava era, na verdade, único e esta importante faceta era inquestionável e reunia o consenso geral da população… Dali, o olhar alongava-se e varria todo o espaço em redor, não só o corre-corre da Estrada de Benfica mas, também, a azáfama da Rua Cláudio Nunes…
Este facto muito concreto, provocava uma certa inveja aos habituais frequentadores de uma outra esplanada localizada a dois passos de distância: a esplanada do
“Café Marijú”!
A ideia de ocupar a esplanada do
“Girassol de Benfica” começou a germinar na cachola de alguns amigos contudo, óbice de monta se lhes deparava: a sua fidelíssima clientela, simpáticos velhotes na reforma que se pautavam pela pontualidade… E todas as tardes, a cena repetia-se isto é, mal colocávamos o pé no povoado, as duas ou três mesas encontravam-se, sistematicamente, ocupadas. Que fazer? -
“Malta, a Primavera está a despontar, as tardes já estão quentinhas, vamos arrancar e jogar na antecipação”!
Assim foi…
Um belo dia, pela tardinha, chegámos um pouquinho mais cedo e, na maior descontracção, quatro manos sentaram-se a uma mesa da esplanada do
"Girassol de Benfica"... Gaspar mirou-nos, aproximou-se de semblante carregado e nem nos deixou respirar. Deu-lhe a travadinha e, brutalmente, agarrou na mesa e levou-a p’ró interior do estabelecimento… Estarrecidos, ficámos ali, no meio da rua, sentados nas cadeiras mas… sem mesa! Nunca tínhamos passado por tamanha vergonha e, claro está, quem transitava na rua e assistiu ao filme, mostrou os dentes… a gozar o prato! Foi, na verdade, um insuportável enxovalho!
A excelência da esplanada do pequeno Café “Girassol de Benfica”. À esquerda e ao fundo, a esplanada do “Café Marijú”.
Após um breve momento de estupefacção pela reles ousadia do nosso amigo Gaspar, reagimos de modo violento. Abrimos as matracas e soprou um vendaval das mais grosseiras asneiradas e insultos que se possam imaginar e… não escapou mãe nem pai! -
”Vais ver como as pulgas te mordem, meu grande Seboso”… Foi, exactamente, aqui! Lançado por um de nós, Gaspar foi rebaptizado naquele momento!
”Seboso”, pegou de estaca… p’ra sempre!
Jurámos vingança de acordo com a gravosa ofensa que tanto nos molestou! O despautério não iria ficar, certamente, sem resposta firme e digna dos nossos pergaminhos.
“O Seboso” ignorava, em absoluto, a qualidade dos “meninos” que lhe saíram na rifa!
“O Seboso”, ao enveredar por tão desastrada atitude, colocou-se a jeito!
Acertámos p’ra um sábado de madrugada e não consigo precisar quem se lembrou da inconcebível, quão contundente desforra… Assim, pela noite fora, preparámos a devida retaliação a qual, exigia que fosse cousa de espantar e que perdurasse na memória das gentes de Benfica… Balde, brocha de cabo comprido e própria p’ra caiar paredes e material de pintura… -
”Coragem malta! Mãos à obra e quem se escusar, é um ganda maricas”! Ninguém deu de frosques, todos se comportaram à altura do delicadíssimo assunto e… ainda bem!
Então, muito depois da meia-noite de sábado, e sob elevados cuidados p’ra não levantar qualquer suspeita, arrancámos pela Estrada do Poço do Chão, Largo Ernesto da Silva, passámos o cruzamento da Travessa dos Arneiros, mais um pulinho e pronto! A primeira equipa organizada de “graffiteiros na Freguesia de Benfica” encontrava-se preparadísisma p’ra agir em conformidade! Habituados a pinchar muros e paredes noutras andanças, avançámos e todo o trabalho de pintura se resumiu a meia dúzia de segundos, sem qualquer preocupação artística…
Penámos a valer, o pivete nauseabundo exalado incomodava as nossas sensíveis pituitárias porém, a raiva com que executámos a tarefa, conseguiu ultrapassar todas as barreiras… Montras, porta e ombreiras do
"Girassol de Benfica" apresentavam-se bem aviadas, graças a Deus! Trabalhinho exemplar!
Benfica dormia a sono-solto, ninguém viu ou ouviu! Desandámos dalí p’ra fora no meio de risada geral, direitinhos ao aquartelamento: a Quinta do Charquinho!
Pela manhã, cedinho, frente ao
"Girassol de Benfica" e do outro lado da rua, aprumadinhos, aguardámos a chegada do Sr. Gaspar,
“O Seboso” na abertura do estabelecimento… O material agarrara bem, tal como se previra! A caldeirada fora preparada com mão de mestre!
Os transeuntes olhavam os arabescos ali escarrapachados, dignos de Picasso ou Miró mas, rapidamente, metiam as mãos nas ventas e desviavam-se… O cheirete repugnante tombava o mais afoito!
Aí vem ele… O homem ficou aterrado! Balbuciou qualquer ameaça ou praga na nossa direcção e… foi tudo…
Toda a porcaria mal-cheirosa foi removida à mangueirada… Montras, porta e fachada da loja, desinfectadas… Trabalho extenuante e muito desagradável, estamos em crer…
Nunca mais nos encarámos cara a cara e tentámos, dali p’ró futuro, passar bem ao largo!
O
“Girassol de Benfica” mudou de ramo, a esplanada desapareceu!
O Sr. Gaspar, “O Seboso” já bateu a bota! Que descanse em Paz!
Ah! A substância utilizada na pintura e que existe por todo o lado em quantidades colossais! Claro, matéria orgânica de primeiríssima qualidade, oriunda dos trabalhadores rurais da
Quinta do Charquinho! Depósito: o sanitário ao ar livre junto à horta da quinta, resguardado de olhares indiscretos por renques de caniços… No seu interior, um simples buraco aberto no solo e tábua que facilite o acto culminante das necessidades fisiológicas de cada um!
Pronto! Esta história bizarra que não dignificou ninguém, está contada como, realmente se passou. Está desfeita a curiosidade de quem me rogou que a desvendasse de uma vez por todas!
(12)
A “Marcha de Benfica”
A “Marcha Popular de Benfica” iniciou-se em 1934. É um dos bairros de Lisboa que tem mantido a mesma figura feminina desde o início dos desfiles e que tanto caracteriza a Freguesia de Benfica: as “
saloias”.
Jovem marchante da Marcha Popular de Benfica nas Comemorações do VIII Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros no Pavilhão dos Desportos/Pavilhão Carlos Lopes.

Actuação da Marcha de Benfica no Pavilhão dos Desportos/ Pavilhão Carlos Lopes.
(Foto de Judah Benoliel - 1950 - Arquivo Municipal de Lisboa) A Marcha de Benfica já arrebatou 3 primeiros prémios: 1935, 1940 e 1989 além d’outras classificações de incontestável mérito. A Marcha de Benfica, continua a ser organizada pelo
Clube Futebol Benfica.
Casa de pasto
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Casa de Pasto é uma denominação muito comum até o final do século XIX, tanto em Portugal como no Brasil, e que se refere aos estabelecimentos que serviam almoços e jantares.
O termo “pasto” é arcaísmo da língua portuguesa, derivado de repas (francês) e do latim pastus, que se referia a qualquer tipo de alimento.
A casa de pasto é uma mistura entre uma taberna e um restaurante de petiscos. Serviam, também, refeições ligeiras ao longo do dia, e claro está, acompanhadas de vinho ou cerveja.
Com a influência francesa em ambos os países, a denominação de restaurante (
"réstaurer" = restaurar -
"réstaurant" = restaurador) passou a substituir aquele antigo termo todavia, em Portugal ainda seja utilizado.